Parece difícil entender como um governo cujo Orçamento supera o trilhão de reais tem dificuldades para reajustar o Bolsa Família ou, num exemplo mais prosaico, fornecer os passaportes requisitados –e pagos pelos cidadãos do país.
O aumento do benefício social custaria em 2017, conforme os cálculos oficiais, não mais que R$ 800 milhões. Ainda assim, a medida, programada para este mês, está suspensa por falta de recursos.
Quanto à emissão dos documentos de viagem, o Planalto teve de suplementar às pressas as verbas, que receberão novos R$ 102 milhões. Esgotam-se, segundo a Polícia Federal, os R$ 145 milhões programados de início para o ano.
Ambos os casos envolvem montantes pouco expressivos para os padrões da despesa federal e, ao mesmo tempo, medidas essenciais.
No Bolsa Família, é preciso recompor o poder de compra da parcela mais vulnerável da população; nos passaportes, cumprir um serviço básico do poder público.
Mesmo em meio à severa escassez de receitas, não deveria haver maior dificuldade em remanejar recursos de programas menos prioritários para atender a tais objetivos —o que afetaria menos de 0,1% dos gastos autorizados neste ano.
Entretanto os dois episódios ilustram distorções do Orçamento que, há muito comentadas por especialistas, tendem agora a se tornar cada vez mais palpáveis para os brasileiros de todos os estratos.
Em primeiro lugar, é excessivo o engessamento das despesas. Quase 80% delas compõem-se de pagamentos obrigatórios, em especial aposentadorias e salários.
Demais ações de governo —do Bolsa Família aos passaportes, da reforma de rodovias à compra de remédios, da publicidade à conta de luz— espremem-se com pouco mais de 20% do dinheiro total.
Pior: o gasto obrigatório cresce de modo contínuo, seja pelo envelhecimento da população (Previdência), seja pelo poder das corporações estatais (folha de pessoal).
Enquanto tal tendência não for contida, os ajustes hoje inadiáveis nas contas do Tesouro Nacional se concentrarão numa fatia orçamentária diminuta, mas que abriga serviços fundamentais do Estado.
Numa leitura otimista, pode-se imaginar que o teto fixado para os desembolsos do governo forçará tanto reformas estruturais como a busca por mais eficiência na gestão cotidiana da máquina. O processo, como se nota, não será indolor.
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