Vagas com carteira assinada, porém, vêm caindo: só no trimestre findo em maio, foram 500 mil a menos
Daiane Costa, Lucianne Carneiro, O Globo
Após mais de dois anos de deterioração contínua, o mercado de trabalho dá sinais de estabilização, como redução do ritmo de queda da população empregada e aumento da renda — mas a recuperação será lenta, com queda na qualidade dos empregos gerados. Essa é a avaliação dos economistas a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada ontem pelo IBGE. No período de três meses encerrado em maio, o desemprego atingia 13,8 milhões de pessoas, ou 13,3% da força de trabalho. Não houve alteração frente ao trimestre findo em fevereiro, que serve como base de comparação. No entanto, o emprego com carteira continua a cair: foram destruídas quase 500 mil vagas na comparação com o trimestre anterior e 1,2 milhão em relação ao mesmo período de 2016. Já o emprego sem carteira registrou aumento de 220 mil e 410 mil postos, na mesma comparação.
Para o economista João Saboia, especialista em mercado de trabalho da UFRJ, a combinação desses dois dados preocupa:
— O desemprego está se estabilizando com 3 milhões de pessoas a menos ocupadas em vagas com carteira (em relação a 2014, período anterior à crise). Isso é muito negativo. Mesmo que o mercado se estabilize, há uma tendência de continuidade do movimento de informalização, à medida que o mercado não dê conta de criar empregos com carteira para atender a toda a demanda existente. O Caged mostrou que 34 mil vagas formais foram criadas em maio. Mas isso, num universo de quase 14 milhões de desempregados, é uma gota no oceano.
RENDA TEM GANHO DE 2,3%
Tiago Cabral Barreira, consultor de mercado de trabalho do Ibre/FGV, também destacou que, apesar de a ocupação ter crescido na margem pelo segundo mês consecutivo, o emprego com carteira continua em queda:
— Quando analisamos a composição do grupo de ocupados, vemos que o crescimento não é puxado pela formalização. A ocupação está melhorando, mas a qualidade do emprego não.
Margarete Franciscano, de 52 anos, perdeu o emprego de encarregada de serviços no ano passado e, desde então, faz serviços temporários. Na última segunda-feira, foi se inscrever em um cadastro para vagas em Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio. Seu objetivo é conseguir um emprego com carteira assinada.
— Se me pedem para passar roupa eu passo, se for para fazer salgadinho, estamos lá, mas isso não é uma renda fixa. Hoje você tem e amanhã não tem — diz Margarete. 15 13 11 6,4 2014 Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua mensal
Já o resultado da indústria surpreendeu positivamente. O número de trabalhadores cresceu em 344 mil na passagem de trimestre e, na comparação anual, recuou apenas 91 mil vagas. Ano passado, neste mesmo período, a indústria havia perdido 1,4 milhão de trabalhadores em um ano.
— A indústria vem em uma trajetória de amenização da crise, o ajuste de pessoal se deu no ano passado. Ainda é preciso aguardar mais uns trimestres para ver se essa melhora será sustentável, mas a indústria, enquanto motor da escalada do desemprego, não contribui mais — analisa Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi)
O sinal mais claro de estabilização é a renda. Na avaliação de Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria, há “sinais contundentes” de melhora. Desde dezembro, a renda apresenta taxas de crescimento na comparação com igual período de 2016. No trimestre encerrado em maio, a alta foi de 2,3%, para R$ 2.109. Nenhum dos nove grupamentos de atividade teve queda na renda.
— Sob a perspectiva da renda, há sinais contundentes de melhora do mercado de trabalho. São seis resultados positivos seguidos. É uma dinâmica favorecida pela inflação mais acomodada. Como os reajustes são feitos pela inflação passada, refletem as taxas mais pressionadas do passado. Mas há uma sequência de seis taxas positivas — afirma Xavier.
Hélio Zylberstajn, professor da USP, destaca o aumento da massa de rendimento real, que cresceu 0,7% e 0,9% na passagem de trimestre e na comparação anual, respectivamente, somando quase 185 bilhões.
— A massa de rendimento está crescendo em termos reais, é bom para a economia,
PROJEÇÕES PARA O ANO RECUAM
Diante dos dados divulgados, a consultoria Rosenberg & Associados revisou para baixo a projeção para o desemprego. A taxa prevista para o segundo trimestre passou de 13,8% para 13,3%. Para o terceiro e o quarto trimestres, recuaram a 13,2% e 12,6%, respectivamente, para chegar a uma média de 13,2% no ano, estimativa semelhante à de outros especialistas.
Em relatório, o economista Alberto Ramos, chefe de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, afirmou que o mercado de trabalho mostra “alguns sinais preliminares de estabilização”. Mas ressaltou que deve permanecer fraco, “já que a economia ainda não mostrou sinais de ter chegado ao nível mínimo de crescimento para absorver a expansão natural da força de trabalho.”
Ana Paula dos Santos, de 42 anos, está desempregada há cerca de um ano. Ela, os três filhos e uma neta vivem de favores de parentes e de alguns bicos que seu filho de 20 anos consegue fazer.
— Quando arrumamos algum dinheiro, é para comprar comida — conta Ana Paula. Candidatos que aguardam em uma fila de emprego contam suas histórias
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