Uma crescente e indefinida sucessão de eventos mostra que o Rio de Janeiro está mergulhado em uma espiral de absurdos de difícil solução.
A recuperação da falência do Estado e a reversão de seus desdobramentos na prestação de serviços – notadamente nas áreas da saúde, da educação e da segurança pública – já seriam um enorme desafio para políticos administrativamente tarimbados e de imaculada reputação. Para a cúpula de poder que controla o Estado há pouco mais de uma década, passar sobre esse abismo parece ser um salto grande demais para suas limitadas competências.
Na semana passada, o governador Luiz Fernando Pezão foi a Brasília para mais uma rodada de negociações com a União, desta vez com o intuito de reforçar a segurança em seu Estado com o apoio da Força Nacional de Segurança Pública (FN) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Ao final de uma reunião com o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral da Presidência) e Raul Jungmann (Defesa), Pezão anunciou com entusiasmo o envio ao Estado de 800 homens das tropas federais. Ao ser informado por um jornalista sobre o fato de grande parte deste contingente já estar em atuação no Rio desde maio, o governador, candidamente, mostrou-se surpreso: “Eu não sabia”. A nota oficial do Palácio Guanabara, que se seguiu à surpreendente declaração do governador, serviu para acentuar ainda mais a inadequação de Luiz Fernando Pezão para o importante cargo que ocupa ao dizer que o governador “não é especialista no assunto (segurança pública)”.
É evidente que não se exige de um governante a especialização em todos os temas que estarão sob sua responsabilidade, sobretudo em Estados complexos como o Rio de Janeiro. Entretanto, o mínimo que se poderia esperar do governador era cercar-se de uma equipe competente, além de conhecer um dado tão básico, como o número de agentes federais em atuação em seu Estado.
A Constituição determina que o envio de tropas federais a um ente federativo só pode ocorrer quando solicitado expressamente pelo governador do Estado, sobre quem, é oportuno ressaltar, recai a responsabilidade pela segurança pública. A surpresa de Pezão diante da constatação de que as tropas requeridas já estavam em atuação – faltando apenas o envio de 140 homens da PRF – é a demonstração irrefutável de que o Rio está à deriva.
O estado de descontrole pelos Poderes legalmente constituídos ganha contornos mais dramáticos ao passar para os criminosos a sensação de absoluta anomia, com trágicos reflexos – físicos e emocionais – para a população, que todos os dias é surpreendida com ações criminosas que só se diferenciam pelo grau de ousadia.
Não satisfeitos em determinar o calendário escolar de milhares de professores e alunos matriculados na rede de educação pública do Estado, as quadrilhas de traficantes de drogas agora se permitem decidir quem pode e quem não pode receber socorro médico nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) localizadas em áreas conflagradas.
Aliás, a mera existência dessas áreas de exceção no Estado, onde o único resquício de moralidade que resta é a abnegação de funcionários públicos vocacionados, já seria uma excrescência. Permitir que sejam controladas por facções criminosas que impõem à sociedade a torpeza de suas “leis” é o atestado incontrastável da ingovernabilidade do Rio de Janeiro.
O quadro desalentador que se apresenta diante da população fluminense está pintado com as tintas das canetas daqueles diretamente responsáveis pelos rumos do Estado: o governador Luiz Fernando Pezão e toda a linha sucessória, que parecem incapazes de fazer frente ao desafio que têm de enfrentar. Diante deste fato, não resta alternativa a não ser o apoio da União. Mas que a boa vontade do governo federal se volte apenas para a população que diariamente sofre as consequências dos desmandos de uma cúpula inepta, não para seus responsáveis diretos.
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