- Valor Econômico
Presidente do TSE aponta problema desde 2016
É crescente a preocupação, em gabinetes destacados de Brasília, com a potencial influência do crime organizado nas próximas eleições. Setores de inteligência do governo e o Judiciário monitoram o avanço das organizações criminosas sobre o sistema político nacional, mas é o Congresso quem tem, neste momento em que está prestes a votar mudanças nas regras eleitorais, as melhores condições de criar mecanismos que tirem o Brasil da rota já trilhada, por exemplo, por México e Colômbia.
O financiamento das campanhas é um ponto crucial nessa matriz de riscos. Passada a análise da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer, a Câmara dos Deputados irá se debruçar sobre a reforma política que tramita em comissão especial. O Senado também discute o assunto e, pelo menos a princípio, o financiamento das campanhas de 2018 deve se restringir a um fundo público e a doações de pessoas físicas. O problema é justamente que apenas organizações criminosas e instituições religiosas detêm sempre grandes quantias de dinheiro vivo em caixa e, com a ajuda de moradores de suas comunidades ou integrantes de suas congregações, podem contar com diversos CPFs para lavar doações a candidatos de seu interesse.
As preocupações com o assédio do crime organizado a partidos não são de hoje, investigadores monitoram as aspirações de facções há anos. Já interceptaram, por exemplo, diálogos telefônicos nos quais líderes dessas organizações articulavam uma mobilização em frente ao Congresso para pressionar parlamentares pelo cumprimento da Lei de Execuções Penais ou discutiam formas de apoiar campanhas de políticos. Mais recentemente, nas eleições municipais de 2016, o crime organizado fez demonstrações de força em diversas regiões do país.
Coincidência ou não, esse fenômeno foi observado com mais clareza justamente na eleição seguinte à proibição do financiamento empresarial de campanhas políticas. Em setembro de 2015, a maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal (STF) vetou as doações de empresas, com o argumento de que a proibição levaria a uma maior igualdade nas disputas eleitorais e reduziria a influência do poder econômico no jogo político. A decisão foi saudada por diversos setores da sociedade, que citavam os crimes revelados pela Operação Lava-Jato como exemplos de como a máquina pública vinha sendo capturada por interesses privados.
Agora, no entanto, o temor é que a decisão tenha criado um espaço para o crime organizado aumentar seu poder de influência. O alerta não pode ser ignorado, num momento em que diversos Estados enfrentam problemas crônicos de falta de segurança. E é compreensível, portanto, o fato de o Rio de Janeiro, para onde o governo federal acaba de enviar milhares de militares para combater a violência, ser visto como um caso que servirá de laboratório na disputa eleitoral de 2018 em razão da presença de traficantes e milicianos em diversas comunidades em que o Estado não consegue estar presente.
Em 2016 o Rio já havia sido um dos centros das atenções, destaque nada enobrecedor numa eleição em que forças federais precisaram atuar em 467 municípios de 14 unidades da federação. Em algumas zonas eleitorais, o transporte das urnas só era possível dentro de blindados da Marinha. Isso sem falar nos diversos atentados a candidatos registrados na Baixada Fluminense.
Mas o Rio não foi um caso isolado. Em São Paulo, dizem autoridades, o Primeiro Comando da Capital (PCC) já teria vínculos com políticos Estado afora. No Maranhão, enquanto presidiários rebelados gritavam que não haveria eleições, diversos locais de votação eram incendiados em resposta a ações policiais.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, foi voto vencido no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) vedou o financiamento empresarial de campanhas. Além do trabalho dentro da Corte, ele acompanhou in loco os problemas ocorridos nas eleições municipais do ano passado e desde então vem alertando sistematicamente para essa questão.
Gilmar Mendes recomenda que se junte todas as peças do mosaico. "Tem aí um embrião de algo preocupante", sublinhou em entrevista ao Valor, acrescentando que nas últimas eleições as doações de pessoas físicas foram ínfimas. "Não tem até aqui essa cultura. Corre-se o risco de criar um laranjal", sublinhou.
O convívio entre crime organizado e política já tem verbete na história do Brasil. Registra-se que o Comando Vermelho nasceu quando criminosos tiveram contato com presos políticos da ditadura militar, no presídio da Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Os bandidos teriam se inspirado nas ações, organização e estrutura dos movimentos de esquerda e luta armada - dando início a uma empreitada que atualmente prejudica a prestação de serviços públicos e impede a livre circulação de candidatos.
Por isso, o Congresso não deveria abrir novos flancos para a cooptação de quem pode assumir o poder a partir de 2019, como a possibilidade de proibição da divulgação dos responsáveis por doações inferiores a três salários mínimos. A ideia consta do projeto que tramita na Câmara, e certamente diminuiria a transparência das eleições, embora o sigilo não seja aplicado para efeitos de prestação de contas e acesso por parte dos órgãos de controle.
A notícia alentadora é que os órgãos federais de segurança acompanham o assunto e, segundo o presidente do TSE, os sistemas de fiscalização da Justiça Eleitoral têm sido aperfeiçoados, inclusive por meio de cruzamento de dados com a Receita Federal, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e tribunais de contas. Mesmo assim, faz-se necessário destacar a previsão do ministro Gilmar Mendes, que tem enfrentado o problema há tempos: "Vamos ter um grande teste nas eleições gerais".
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