- O Globo
Arrecadação extra foi miragem. Antes de admitir ontem que a meta pode ser alterada, o ministro Henrique Meirelles viveu um dilema. Alterar o tamanho do déficit para caber o estouro extra do orçamento pode aumentar o pessimismo e ter efeitos concretos na economia. Perseguir a meta de forma inflexível vai parar a administração. Não cumpri-la tem consequências políticas. Nos últimos dias, todas as miragens de arrecadação foram sumindo.
Sempre esteve fora de questão fazer o mesmo que Dilma, que descumpriu a meta e depois enviou uma medida provisória para o Congresso no fim do ano para convalidar o estouro ocorrido. Mas, antes de jogar a toalha, que é o que começa a fazer, a equipe econômica fez de tudo: aumentou imposto, puxou o cobertor daqui e dali, trocou dinheiro de lugar e elevou o contingenciamento.
Várias previsões de receita foram despencando, como o Refis e a nova lei da repatriação. Perdeu-se um pouco do previsto para a receita do novo imposto com a correção do erro no PIS/Cofins do etanol. E agora na virada do mês ficou claro que a receita com a venda das hidrelétricas da Cemig também tinha ficado mais incerta. Meirelles conseguiu ontem dizer uma coisa e o seu contrário: admitiu a análise da mudança da meta mas diz que permanece a mesma. É que mudar a meta pedindo previamente ao Congresso é aceitável do ponto de vista legal, mas talvez tenha consequências econômicas, na visão de um integrante da equipe econômica:
— Mudar a meta é um retrocesso de curto prazo, a não ser que seja por questões pontuais. Os juros futuros que haviam subido no dia 17 de maio voltaram ao ponto em que estavam. Aconteceu o mesmo com o dólar e a bolsa. O mercado financeiro aceita até atraso na reforma da Previdência, porque a convicção geral é que quem for eleito em 2018 terá que mudar o sistema de aposentadorias e pensões de qualquer maneira. Mas a âncora de longo prazo ficou incerta, portanto, há um peso maior na expectativa de curto prazo.
Há quem pense que o mercado financeiro é apenas um grupo de banqueiros malévolos que deve ser ignorado. Ele é formado também pelas decisões tomadas por todos os investidores, inclusive os pequenos. Como somos todos credores da dívida pública, se ela parecer insustentável cada poupador vai preferir comprar ativo real em vez de aplicar em títulos públicos, comprar dólar, em vez de ter apenas reais, adquirir algum ativo fora do país, dependendo do tamanho dos seus ativos financeiros. Ou seja, o “mercado”, que parece um ser incorpóreo, pode ser algo bem mais concreto. Se o pessimismo aumentar em cada investidor, pequeno ou grande, isso tem reflexos diretos no custo da dívida, no valor da moeda, na economia do país.
Para o economista Alexandre de Ázara, sócio da Mauá Capital, uma mudança de meta agora não teria tanto impacto no mercado financeiro como o que houve em 2015.
— O governo fez o que pôde, contingenciou o que podia, encaminhou projetos de reforma para o Congresso, mas houve frustração no crescimento, nas receitas, na privatização. É um cenário diferente do que houve com a Dilma, que revia a meta, aumentava os gastos e as desonerações — disse.
O grande ponto vulnerável da economia é a dívida. Ela começou a subir no governo Dilma, como resultado das decisões de gastar além da conta e não fazer reformas. A ex-presidente assumiu o país com superávit primário e dívida estável em 52%. Quando saiu, cinco anos e meio depois, o país estava com déficit, e a dívida foi a 67%, em crescimento acelerado. Na semana passada, bateu em 73%. Se fosse feita a reforma da Previdência poderia se estabilizar em 80%. Sem ela, chegará facilmente a 100%.
Antes de o presidente Temer provocar o agravamento da crise política, com aquela reunião indecorosa no Jaburu, o cenário econômico não era brilhante, mas era de melhora gradual da conjuntura, e a reforma da Previdência aprovada este ano dando um horizonte de redução dos gastos com aposentadorias e pensões. Temer por sua única culpa jogou esse cenário no fogo. Agora o que se tem é uma enorme incerteza de médio prazo. Mesmo vencendo a votação da denúncia, continuará sendo um governo fraco, refém dos piores quadros do Congresso.
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