Diante da premente necessidade de uma profunda reforma política, que melhore a qualidade da representação e renove o sistema partidário, é um ultraje o que a Câmara dos Deputados, por meio da comissão responsável por estudar o tema, vem fazendo. Os pontos aprovados na semana passada fazem parecer que o objetivo da comissão é justamente piorar ainda mais o sistema político, com alterações que são verdadeiras aberrações.
Na quarta-feira passada, a comissão de reforma política da Câmara dos Deputados aprovou, por 25 votos a 8, o relatório apresentado pelo deputado Vicente Cândido (PT-SP). Entre as medidas propostas está a criação de mais um fundo, feito com recursos públicos, a ser destinado às campanhas políticas. Como se não bastassem o fundo partidário e os recursos que o Estado deixa de arrecadar com o chamado horário gratuito – que nada tem de gratuito –, há políticos desejando destinar R$ 3,6 bilhões, oriundos do bolso dos contribuintes, para bancar suas campanhas políticas.
Além de ser absurda a ideia de que dinheiro público deva financiar a difusão das ideias e causas partidárias – substituindo a personalíssima decisão de cada cidadão sobre o quanto, o modo e onde deseja contribuir voluntariamente –, a proposta de aumentar ainda mais os gastos públicos com a política revela a indiferença de alguns políticos com o equilíbrio fiscal. O governo federal faz um sério esforço por diminuir os gastos, com cortes de investimentos que afetam os serviços públicos, a população sente na carne o aperto fiscal, entre outras tantas áreas, com o aumento do PIS e Cofins sobre os combustíveis – apenas para citar uma medida recente –, e o Congresso deseja um fundo de R$ 3,6 bilhões para que políticos continuem fazendo suas campanhas milionárias?
Nessa mesma sessão da comissão, também foi aprovado um destaque relativo à alteração do sistema eleitoral, para que seja adotado o chamado “distritão”. A mudança pretendida simplesmente extingue o sistema proporcional nas eleições para a Câmara, que passariam a ser regidas pelo sistema majoritário.
A proposta do “distritão” é de enorme gravidade, com efeitos sobre a representação política, o sistema partidário e o próprio trabalho da Câmara, já que suas regras de funcionamento estão alicerçadas no sistema proporcional. Tem-se a impressão de que os deputados estão propondo uma mudança de sistema sem atinarem para suas graves consequências. Indiferente a qualquer ponderação de interesse público, o objetivo da novidade parece ser simplesmente garantir a reeleição dos atuais deputados, especialmente dos chefes partidários.
São muitos os defeitos do “distritão”. Além de prejudicar a necessária renovação da Câmara, o sistema proposto avilta a democracia representativa, já que os eleitos não representam nada senão eles mesmos. Também não se pode esquecer que o sistema proporcional na eleição dos deputados, apesar de seus defeitos, representa importante garantia para a representação das minorias. Sem qualquer exagero pode-se dizer que a adoção do “distritão”, sem atentar para suas consequências, desfigura a estrutura dos trabalhos legislativos.
A comprovar sua desorientação a respeito das reais necessidades do País e do que deveria ser a sua contribuição para a melhoria do sistema político, a comissão da reforma política na Câmara ainda atropelou temas que fogem do seu escopo. Foi aprovada, na quinta-feira passada, a proposta de fixação de um limite máximo de 10 anos para os mandatos de ministro nas Cortes superiores de Justiça, e de quatro anos para os de tribunais eleitorais. Como se não tivesse limites a falta de prudência em gerar desequilíbrios institucionais, o deputado Vicente Cândido ainda propõe alterar para três quintos o quórum mínimo para aprovação pelo Senado dos indicados aos tribunais superiores.
Reforma política é para melhorar o sistema representativo, impedindo, por exemplo, que as legendas se tornem balcões de negócios. Cabe-lhe também debater seriamente o pacto federativo e a conveniência do sistema parlamentarista de governo. Para ser simples continuidade do mais abjeto retrocesso, é preferível deixar as coisas como estão. Ao menos, sem dinheiro de empreiteira e de açougueiro, os políticos terão de fazer campanhas mais baratas, para enorme benefício da população.
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