Proposta em discussão na Câmara deve afrouxar a regra, criada pelo Senado, que limitava o número de partidos com acesso a tempo de TV nas eleições. Sem mudanças, dizem deputados, medida não será aprovada para 2018.
Barreira frouxa
Câmara flexibiliza proposta que limita recursos e tempo de TV de partidos menores
Eduardo Bresciani | O Globo
-BRASÍLIA- O relatório que deve ser votado esta semana na comissão da Câmara para a fixação de uma cláusula de barreira que restrinja o acesso dos partidos ao fundo partidário e ao tempo de rádio e televisão acabou afrouxando as exigências previstas no texto aprovado no Senado. Para efeito de comparação, se as regras previstas para 2018 em ambos os projetos tivessem valendo em 2014, apenas 13 partidos passariam a barreira criada pelo Senado, enquanto 18 passariam a regra proposta pela comissão da Câmara, 38% a mais. Caso o novo texto seja aprovado esta semana na comissão especial, ele irá a plenário, onde precisa de duas votações, e voltará ao Senado, que deve confirmar as mudanças.
A justificativa dos parlamentares para a alteração é de que apenas um modelo mais brando tem chance de ser aprovado até outubro e vigorar em 2018. O texto aprovado pelo Senado só permitia acesso ao fundo e ao tempo de TV aos partidos que atingissem na próxima eleição 2% dos votos nacionais nas eleições para deputado federal e ainda conseguissem obter o mesmo percentual em pelo menos 14 estados. Relatora da proposta na Câmara, a deputada Shéridan (PSDB-RR) reduziu a exigência nacional para 1,5% dos votos, o número de estados para nove e o percentual de votos a ser atingido em cada um deles para apenas 1%. Com isso, PV, PROS, PPS, PCdoB e PSOL seriam beneficiados.
Além da diferença em relação à próxima eleição, o texto da Câmara tem uma transição mais lenta. Enquanto no do Senado já em 2022 passa a vigorar uma regra definitiva exigindo 3% dos votos nacionais e 2% em 14 estados, o relatório em discussão na Câmara só exige os percentuais mais elevados, que têm impacto equivalente à versão do Senado, em 2030. Em 2022 e 2026, as exigências do texto de Shéridan evoluem gradativamente.
A razão para a ampliação do escopo é numérica. Como trata-se de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), são necessários 308 votos para a medida ser aprovada. Os 13 partidos que conseguiriam sobreviver com todos os benefícios no texto do Senado somam na Câmara 437 deputados. Já os 18 que passariam na nova regra têm 474, ou 92% da Câmara. Para além destes números, uma cláusula mais leve facilita, por exemplo, que partidos grandes que possuem aliados pequenos apoiem a medida, como é o caso do PT em relação ao PCdoB.
— É bom que partidos como PSOL e PCdoB passem da barreira, porque são partidos efetivos, organizados, que tem representatividade. Não sou tão simpatizante da cláusula, mas votarei a favor. Para nós, o tema central para melhorar a política brasileira em relação ao número de partidos é fim da coligação proporcional, que também está no projeto. Isso já cria uma barreira natural e força os partidos a buscarem sua legitimidade — afirma Henrique Fontana (RS), que está à frente das negociações pelo PT.
No modelo atual, as coligações proporcionais permitem que candidatos como o deputado Tiririca (PR-SP), que obtém votação muito expressiva, ajude a eleger nomes de outros partidos que se coliguem com o seu na disputa para federal. Na eleição de 2010, por exemplo, o humorista contibuiu para que o ex-delegado Protógenes Queiroz, que pertencia ao PCdoB, chegasse ao Congresso. O fim das coligações proporcionais estava previsto no texto do Senado já para as eleições do próximo ano, mas o relatório da Câmara adiou a entrada em vigor para 2020, nas eleições para vereador.
Um dos partidos beneficiados pela mudança no texto da Câmara em relação à cláusula de barreira, o PSOL diz que bastaria o fim das coligações para o aprimoramento do sistema partidário.
— Há uma cláusula que apoiamos, pois não impedirá o pequeno programático de se tornar grande e eliminará os partidos de aluguel: o fim das coligações nas proporcionais. Isso decantará bem o quadro partidário. Essa dos percentuais em 9 estados é excludente e cristalizará o condomínio do poder só para os grandes e médios de hoje. Quase todos investigados. Só há pequenas legendas de aluguel e negócios porque há os médios e grandes que as compram — critica Chico Alencar (PSOL-RJ).
VISÕES DISTINTAS NO SENADO
Há negociações em andamento com o Senado para que todas as mudanças em relação à cláusula de desempenho e às coligações sejam preservadas. Um dos autores do texto inicial, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirma já ter sido construído um acordo em torno do relatório da Câmara.
— O ótimo é inimigo do bom. Eu preferia que começasse com 3%, mas não passará. O1% é o corte possível de aprovação, mas salvamos alguma coisa e damos um basta nessa farra de criação de partidos. Já tem 30 na fila para ser criado lá no TSE. Se o Supremo não tivesse derrubado em 2006 as cláusulas de barreira, hoje teríamos só seis partidos e facilitaria muito a governabilidade. Não é a mudança ideal, mas será extremamente positivo que comece um basta nessa farra de criação de novas legendas — disse Aécio Neves.
O outro autor da PEC, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), demonstra mais insatisfação com as mudanças. Ele acredita que a aprovação de um texto mais leve adia uma resolução do problema da proliferação de partidos.
— Essa proposta da Câmara cria um ambiente em que a gente vai ver perpetuado até 2030 essa banalização da presença de partidos na vida brasileira. Pode ser até um argumento verdadeiro de que somente assim é possível aprovar, mas é uma decisão conservadora e precisamos ousar. Em que pese eu tenha de reconhecer a realidade do parlamento, estamos avançando muito pouco e estamos perdendo uma oportunidade — afirma Ferraço.
TEMA SE ARRASTA DESDE 2006
A adoção de uma cláusula de barreira permeia os debates sobre reforma política desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a medida em 2006. Na ocasião, a interpretação foi de que a Constituição não permitiria tal mudança por meio de lei ordinária. Por isso, a nova tentativa é justamente de se mudar o texto constitucional.
O texto da Câmara altera ainda outra restrição que se pretendia impor às legendas. Ela retirou do texto a proibição dos partidos barrados terem o chamado funcionamento parlamentar, que são os direitos a ter uma liderança, poder nomear alguns tipos de cargos de livre nomeação, entre outros. Quando derrubou a cláusula em 2006, um dos argumentos do Supremo foi justamente que não se poderia ter deputados de primeira e de segunda categoria.
Tanto o texto original quanto o da Câmara abrem uma possibilidade para os partidos que temem não atingir os limites. Eles poderão se organizar, antes da eleição, em federações com outras legendas, mas nesse caso devem permanecer unidos por quatro anos para terem os benefícios.
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