Em 1866, imortal defendia que votação proporcional refletia melhor a opinião nacional
Eduardo Barretto | O Globo
A eleição distrital é olho no olho entre candidato e eleitor, enquanto o modelo proporcional não desperdiça votos. O impasse é tão antigo quanto o Brasil Império. As observações são do romancista José de Alencar em 1866, um ano depois de ter publicado “Iracema”. Em 2017, o debate ressurgiu e tem os dias contados para provocar mudanças na campanha do ano que vem: resta ao Congresso pouco mais de um mês para definir as regras do jogo.
“Esse contato do eleito contra o corpo que o escolheu é, sem dúvida, um efeito salutar. Mas degenera-o completamente, desde que, para obtê-lo, se isola o deputado, colocando-o, nessa situação, constrangido. Então, o contato que era de ideias se transforma em condutor de paixões e interesses individuais”, escreveu Alencar no livro “Systema representativo”, em uma defesa firme da votação proporcional, nos moldes gerais em que é feita atualmente.
José de Alencar, que chegou a ser deputado pela província do Ceará e até ministro da Justiça de Dom Pedro II nos anos 1860, sustentava que o Congresso deveria representar uma opinião nacional, mas esse jeito de votar em distrito traria, no lugar, um conjunto de “paixões locais”.
“Assim como o simples ajuntamento dos vários membros do corpo não forma só um homem, para o que é essencial uma integridade e um centro vital, assim também a soma das paixões locais não constituem a opinião nacional, que é a consubstanciação da grande alma do país”, afirmou, chamando essas “paixões” de “mesquinhas”.
À época, o país era dividido em “círculos eleitorais” e o pleito seguia diretrizes do modelo distrital. Uma crítica recorrente ao sistema distrital é a quantidade de votos perdidos. Isso acontece porque, em um distrito, apenas o primeiro colocado se elege, e os votos dados aos demais candidatos são descartados, sem auxiliar seus partidos a elegerem representantes. Ao vencedor, tudo. Aos perdedores, nada. Além de fragmentar e distorcer a “opinião nacional”, segundo argumentava o autor de “Senhora”, “Iracema” e “O guarani", o Legislativo também incorria na falha de não representar a oposição. “O domínio exclusivo da maioria e a anulação completa da minoria. Eis, portanto, o pensamento iníquo e absurdo sobre que se repousa atualmente o governo representativo”. A oposição seria importante para o bom funcionamento do país, diz Alencar, por conta de sua resistência. Isso provocaria “inteligências adversas” e desenvolveria melhor os projetos para o Brasil. José de Alencar queria leis, e não o “acaso”, para balancear a composição do Congresso.
LEIS FALHARAM
Após a publicação do livro de José de Alencar, duas leis nacionais foram feitas para tentar impor um maior equilíbrio de forças no Parlamento. Em 1875, ainda no Brasil Império, a Lei do Terço estabelecia uma lista de votação incompleta: um em cada três votos seria reservado somente para eleger a minoria. Assim, na teoria, a maioria da Câmara não passaria de dois terços.
Mais tarde, já na República, em 1904, veio a Lei Rosa e Silva, no governo de Rodrigues Alves. Dessa vez, a proposta era separar para a oposição a cota de um assento por província. O eleitor preencheria todos os espaços da cédula eleitoral, menos um.
Eram outros tempos: no século XIX, além de aberto, o voto era indireto, masculino, censitário, proibido para analfabetos e campo fértil para fraudes. Na década de 1860, a estimativa é que por volta de 2% da população votavam.
CRÍTICA AO VOTO SECRETO
Naquele contexto, uma opinião ferrenhamente defendida por José de Alencar poderia ser mal recebida hoje: a crítica inarredável ao voto secreto, que não era adotado naquele tempo.
“O segredo do voto não ensina o cidadão a ser independente, mas a ser falso e covarde”, ataca o patrono da cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras por escolha de Machado de Assis. “Na sombra do anônimo se c
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