- O Globo
O voto distrital tornou-se o quindim futurológico da reforma eleitoral. A ideia é boa, dividese cada estado em distritos e os candidatos a deputado disputam os votos desse eleitorado. Na sua versão pura, é o sistema inglês e americano. Para acompanhar diversidades étnicas e sociais, nesses países há distritos com as formas mais absurdas, e alguns desenhos tornaram-se exemplos de corrupção eleitoral. Até hoje nenhum sábio do Congresso ou do Judiciário respondeu a uma pergunta elementar: quem desenhará os distritos brasileiros?
Para brincar de voto distrital, imagine-se a cidade do Rio de Janeiro. Com cerca de cinco milhões de eleitores, o município seria dividido em 20 distritos e cada um deles agruparia cerca de 250 mil eleitores. (Hoje o Estado do Rio tem 12 milhões de eleitores e elege 46 deputados federais, o município do Rio elegeria 20.)
Seguindo-se o mapa das zonas eleitorais da cidade, pode-se construir o distrito “A”. Ele englobaria toda a Barra da Tijuca, o Alto da Boa Vista, São Conrado, a Rocinha e mais um pedaço da Gávea. A Rocinha, cuja zona eleitoral inclui cidadãos de outros bairros e, no conjunto, soma 74 mil votos, ficaria encapsulada num pedaço do Rio que sonha em ser Miami. Seria um desenho lógico, e o distrito teria 250 mil eleitores.
Com o mesmo mapa, pode-se desenhar um distrito "B".
Ele seria semelhante ao A, mas em vez de pegar os 105 mil eleitores da 9ª Zona Eleitoral (uma parte da Barra da Tijuca), infletiria na direção da 179ª Zona Eleitoral, que lhe é contígua.
Desenharam-se dois distritos. No primeiro a Rocinha ficou na demografia eleitoral da Barra. No segundo, trocando-se a 9ª Zona pela 179ª, o distrito teria o pedaço afluente da Barra, mais São Conrado e um naco da Gávea. Tudo bem, mas, com a 179ª Zona Eleitoral, esse distrito incluiria os 116 mil votos de Cidade de Deus, Rio das Pedras, Gardênia Azul e Pechincha.
Os dois distritos representariam eleitores do Rio. Um, com o perfil do Rio Maravilha. O outro, com a realidade da Cidade de Deus. Mexendo-se no desenho, o deputado que sairia de um distrito nada teria a ver com o outro. Cidade de Deus pesaria no distrito “B”, enquanto a Rocinha seria comida no “A”.
Situações desse tipo repetem-se pelo Brasil afora, sem que exista sequer o caminho do distrito “A”, geograficamente lógico.
• Serviço: Quem quiser passear pela distribuição de distritos nos Estados Unidos para ter um aperitivo do que será a discussão brasileira pode ir ao site The Top Ten Most Gerrymandered Congressional Districts in the United States. Alguns aspectos da encrenca americana serão julgados pela Corte Suprema neste ano.
Michel Temer atravessou o espelho
O Paraguai não é Portugal e não há empresários soviéticos na Rússia. Essas trapalhadas de Michel Temer foram apenas lapsos. Lula disse que Napoleão foi à China e Oswaldo Cruz criou a vacina contra a febre amarela. Eram trapalhadas que embutiam um conhecimento que “Nosso Guia" tentava mostrar, sem ter.
Quando Temer disse que “eu converso com quem eu quiser, na hora que eu achar mais oportuna e onde eu quiser”, ele não cometeu um lapso. Expôs um raciocínio onipotente, autoritário e desajustado. O presidente da República deve ter recato em suas conversas e convém que as registre na sua agenda. Temer revela um certo desajuste porque, tendo sido gravado por Joesley Batista, numa situação humilhante, foi submetido ao vexame de uma denúncia por corrupção passiva e escapou porque recorreu ao que se poderia chamar de persuasão ativa.
Com os colaboradores que tem e as amizades que cultiva, se Temer persistir nessa retórica de delegado da madrugada, acabará mal.
A fama de Loures
No Palácio do Planalto, Rodrigo Rocha Loures tinha a fama de agenciar audiências com Michel Temer.
Suas taxas não tinham o peso da mala que a JBS lhe entregou numa pizzaria paulista.
Marcelo Cerqueira
Amanhã, a noite do Rio terá o brilho do lançamento do livro "Fragmentos de vida", uma espécie de memória de Marcelo Cerqueira, com a colaboração de Gustavo Barbosa.
Marcelo Cerqueira viveu com amor e alegria suas duas paixões: o Direito e os amigos. Batalhou pela liberdade e pela vida de presos políticos, militou no falecido Partido Comunista, ralou cadeias e anos de exílio na Bolívia, no Chile, na Argentina e na Tchecoslováquia (com passagens por Paris, porque ninguém é de ferro).
A galeria de amigos trazida por suas memórias mostra o tamanho de seu coração. Para citar meia dúzia: Leila Diniz, Darcy Ribeiro, Cármen Lúcia, Rogério (Senador) Monteiro, Cacá Diegues e Jacob Kligerman.
Inimigos? Só a tigrada do DOI. Puseram uma bomba no seu carro e outra na varanda de sua casa.
Cesar e ACM
Morreu o empreiteiro Cesar Mata Pires, fundador da OAS. Casado com Teresa, filha de Antonio Carlos Magalhães, ele frequentava os almoços dominicais da família em torno de uma mesa onde cabiam umas 20 pessoas. Frequentemente o menu tinha feijoada como primeiro prato, seguido de um filé com fritas.
Num desses almoços, Cesar falava do bom desempenho de sua empresa quando ACM cortou-o.
— Deixe de história, as obras que você tem, deve a mim. (ACM era o poderoso senhor da Bahia e, de fato, dizia-se no estado que a sigla OAS significava Obras Arrumadas pelo Sogro.)
O genro ouviu calado. Ao final do almoço, pediu um dedo de prosa com ACM numa salinha que ficava ao fundo da sala de jantar.
Entraram, Cesar fechou a porta e disse:
— Governador, da próxima vez que o senhor fizer o que fez durante o almoço, eu quebro a sua cara.
Quem contava essa história era ACM, acrescentando:
— Gostei do garoto.
Gilmar, o supremo
Se e quando a ministra Cármen Lúcia tirar da gaveta os pedidos de impedimento de Gilmar Mendes em processos nos quais é acusado de ter conexões impróprias, o polivalente jurisconsulto deverá lutar pelo resultado da votação no plenário.
Parece certo que seus colegas não votarão pelo seu impedimento. Semelhante sinal de desconfiança seria um inédito tapa de luva.
Também parece certo que ele não conseguirá uma unanimidade a seu favor.
Se tiver um só voto contra, terá ganho bonito, Se forem dois, terá ganho mal. A partir do terceiro voto contra, terá perdido feio.
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