Assis Moreira | Valor Econômico
GENEBRA - No início da tarde de ontem, o popular jornal alemão "Bild" alertava para um "Wahlbeben" (terremoto eleitoral) no rastro da campanha eleitoral mais tediosa da história recente da Alemanha. Horas depois, Angela Merkel tinha a confirmação de seu quarto mandato como primeira-ministra da Alemanha, mas com algumas advertências.
Seu partido, a conservadora União Democrata Cristã (CDU), obteve o pior resultado desde 1949, com cerca de 33% comparado a 41,5% em 2013, por exemplo. Foi pior para o Partido Social Democrata (SPD), parceiro menor na coalizão com Merkel, que fez campanha centrado em justiça social e amarga o pior resultado de todos os tempos com cerca de 20% dos votos ante 25% há quatro anos.
Já a extrema-direta, com o Alternativa para a Alemanha (AfD), entra no Parlamento (Bundestag) pela primeira vez em 50 anos com uma campanha anti-imigração e antieuro. O descontentamento dos menos beneficiados pelo sucesso econômico alemão e temerosos da globalização jogou 22% de votos para os extremos (13% para o AfD e quase 9% para A Esquerda).
A maioria dos alemães votou como previsto, pela estabilidade e uma certa segurança de uma continuidade que tem dado bons resultados. Mas o novo cenário político antecipa tanto uma dificuldade para Merkel montar a coalizão para governar a maior economia da Europa nos próximos quatro anos, e uma contestação muito mais dura no Parlamento.
O sentimento entre analistas é de que a grande coalizão dos dois grandes partidos (CDU e SPD) não deve sequer se repetir. A política centrista dos anos Merkel acabou estimulando e jogando mais opositores para extrema-direita.
Dirigentes do próprio SPD, previsivelmente chocados com o resultado, nem querem ouvir falar no momento em nova grande coalizão, e preferem voltar a ser o grande partido da oposição.
"Não podemos ter um partido de extrema-direita liderando a oposição na Alemanha, portanto... vamos para a oposição", disse ontem o líder social-democrata Martin Schulz, referindo-se a possibilidade de o extremista AfD se tornar a maior força de oposição no país, podendo até mesmo ter a presidência da Comissão do Orçamento. "Nosso papel é bastante claro: somos o partido de oposição."
Com o grande número de assentos que obteve no Bundestag, obtendo a terceira maior bancada, o AfD vai poder contratar uma equipe de quase 400 pessoas, dispor de cerca de € 30 milhões de fundos públicos e de uma visibilidade sem precedentes na mídia. Um de seus líderes, Alexander Gaulard, deflagrou imediatamente a guerra contra Merkel: "Vamos caçar Merkel, vamos retomar nosso país e nosso povo".
Criado há quatro anos como oposição econômica ao socorro a países do sul da Europa, o AfD progressivamente se tornou mais extremista, nacionalista e xenófoxo, mesmo com instinto neozanista, como diz o "Handelsblatt", jornal de economia alemão. Além de antieuro e anti-imigração, o AfD contesta mesmo o fundamento da democracia, tenta reavivar uma certa identidade da Alemanha, questiona a economia social de mercado e a abertura para o mundo. Cerca de 70% de seus apoiadores são homens, com pouca instrução ou qualificação profissional.
A Alemanha, locomotiva da Europa, crescerá no próximo ano acima da média da zona do euro. O índice de confiança das empresas atingiu o maior nível em seis anos e meio, recentemente. A indústria manufatureira vai bem, as exportações continuam fortes.
Merkel sabe que poderá ter acelerar a promessa de devolver parte dos € 24 bilhões de superávit do orçamento, na forma de cortes nos impostos nos próximos quatro anos, e também com mais gastos públicos em infraestrutura - como na economia digital.
Além disso, a crise dos refugiados continuará no centro da agenda política alemã e europeia. Merkel falou pouco sobre o tema, durante a campanha. Mas o AfD fez do tema o seu cavalo de batalha e isso vai pesar igualmente na eleição do Parlamento Europeu de maio de 2018.
Recentemente, Merkel deixou claro que os países que não respeitam as quotas de atribuição do direito de asilo na União Europeia (UE) poderão ver cortes na ajuda europeia em outros setores. Ou seja, se não há solidariedade em torno da migração, não deve haver em outras áreas, numa advertência a países como Polônia, Hungria e República Checa, que recebem bilhões de euros como membros da UE mas se recusam receber o número determinado de migrantes. A Hungria tem sido particularmente dura na oposição à política migratória europeia, recusando aplicar o plano de Bruxelas de partilha dos requerentes de asilo que chegam pela Itália e Grécia.
Depois da eleição de Emmanuel Macrom na França, cresceu o otimismo sobre o futuro da Europa. Iniciativas franco-alemã são consideradas centrais para dar um novo ritmo nas reformas na Europa.
Mas antes é preciso saber qual coalizão Angela Merkel vai poder formar para governar. Está claro que a defesa por reformas seria mais forte sob uma coalizão CDU/SPD, enquanto um governo entre a CDU e o Partido Democrático Liberal (FDP) deve focar mais em disciplina fiscal.
Certo é que os rumos da integração europeia dependerão crucialmente de Berlim e Paris. Macron defende uma forte convergência fiscal e social na zona do euro e apresentará amanhã suas propostas de reforma. De seu lado, Merkel apoia a ideia de um ministro de Finanças da zona do euro, mas seu papel na visão alemã difere daquela dos franceses.
A Alemanha e a França vão pesar também sobre o projeto da Comissão Europeia em torno de uma Europa com várias velocidades, na qual alguns países poderiam avançar mais rapidamente na integração do que outros mais céticos.
A expectativa é de que o novo governo alemão seja confirmado antes da cúpula de dezembro dos líderes da UE. Isso daria tempo para os outros países europeus aprofundarem o debate sobre as negociações do Brexit (saída do Reino Unido da UE), incluindo questões direitos dos cidadãos europeus e o custo da fatura do divórcio.
Outra negociação na Europa na qual Angela Merkel, como a mais poderosa dirigente do continente, terá muito peso, é sobre a integração da defesa do mercado comum. O presidente americano Donald Trump não cessa de criticar os europeus por gastar menos de 2% do PIB na defesa e na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar do ocidente). Líderes europeus dizem que a integração da defesa continuará, incluindo um fundo de € 5,5 bilhões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário