Henrique Neves avalia que as trocas de siglas são 'ajuste para compor forças a cada eleição'
Elisa Clavery e Marianna Holanda | O Estado de S.Paulo
O advogado e ex-ministro do TSE Henrique Neves avalia que a intensa mudança de partidos é “um ajuste para compor forças a cada eleição”. Ele, porém, destaca que a cláusula de desempenho, em discussão no Congresso, pode contribuir para que diminuam as transferências entre siglas. “Isso tende a concentrar as pessoas em partidos com efetiva representatividade”, diz.
Já sobre o fim das coligações, previsto para 2020, Neves diz que a princípio pode concentrar os eleitos em siglas partidárias de maior apoio popular. “Porém, ao término da legislatura, aqueles que tiverem dificuldade para disputar as eleições posteriores tendem a mudar para outra agremiação que assegure o lançamento de sua candidatura”.
O ex-ministro lembra que a fidelidade não está prevista na Constituição, é uma interpretação do Supremo. “Agora, é a constitucionalização de que o candidato que abandonar seu partido perderá o mandato, inclusive os majoritários”, diz, em referência à PEC em discussão na Câmara sob autoria da deputada Shéridan (PSDB-RR). A própria parlamentar, porém, disse ao Estado que a supressão dos artigos que tratam de fidelidade partidária será um dos poucos consensos na votação.
Leia a entrevista na íntegra:
A intensa troca de partidos na Câmara é prejudicial para os partidos?
Durante muito tempo, a troca foi intensa. Aí vieram as decisões do Supremo (em 2007) que suspenderam a possibilidade porque decidiram que a infidelidade (partidária) geraria a perda do mandato. Por determinação do STF, o TSE editou a resolução para tratar das hipóteses de justa causa para troca de partidos. Com isso, teve uma retração (de trocas de siglas). Mas o próprio Congresso começou a criar janelas. Primeiro, a Emenda Constitucional 95, depois a janela de 2016. Agora, anuncia-se uma próxima janela no ano que vem. Isso vai criando oportunidades para que o interesse individual se sobreponha ao interesse partidário e não haja maior preocupação com a democracia interna dos partidos para que sejam efetivamente representativos de ideologias.
As mudanças de siglas indicam uma fragmentação partidária?
É um ajuste para compor forças a cada eleição e permitir o acesso à candidatura. As medidas agora em discussão no Congresso, que visam estabelecer a cláusula de desempenho, podem contribuir para que diminuam as transferências dos partidos. Isso tende a concentrar as pessoas em partidos com efetiva representatividade.
De acordo com o modelo que se está desenhando (no texto de relatoria de Shéridan), o candidato que for eleito por um partido que não tenha obtenha o percentual mínimo previsto terá garantia constitucional, se aprovada, de poder se transferir para outro partido que tenha alcançado o desempenho, sem a perda do mandato.
E o fim das coligações? Pode ajudar a diminuir as trocas partidárias?
O término das coligações proporcionais, agora previsto apenas para 2020, pode resultar em uma concentração dos eleitos em siglas partidárias de maior apoio popular no início das legislaturas - como também ocorrerá na hipótese das federações partidárias, que a grosso modo, se assemelham a uma coligação duradoura.
Porém, no momento seguinte, ao término da legislatura, aqueles que vislumbrarem dificuldade para disputar as eleições posteriores tendem a mudar para outra agremiação que assegure o lançamento de sua candidatura.
A reforma política deixou as trocas de partido de lado? O que poderia ter sido discutido?
O tema da fidelidade está sendo discutido na PEC 282/2016 (de relatoria da deputada Shéridan). De acordo com o projeto, se aprovado, haverá alteração da jurisprudência do STF ao se estender a fidelidade partidária aos cargos majoritários. O que não fica claro, porém, é o que acontece se o prefeito abandonar o partido e for cassado por infidelidade. Quem assume? É o vice-prefeito? Se o vice-prefeito for de outro partido, isso tem algum reflexo? E se o vice muda de partido e também é cassado? É necessária nova eleição? Se estabeleceu a regra, mas não foram tratadas as consequências.
A fidelidade não estava prevista na Constituição, foi uma interpretação do Supremo. Agora, é a constitucionalização de que o candidato que abandonar seu partido perderá o mandato, inclusive os majoritários. O que a PEC não contempla é a possibilidade de deixar o partido para ir para um recém-criado (sem perder o mandato e levando os benefícios de tempo de TV e de fundo partidário), uma das hipóteses do STF e que alguns apontam como uma razão para o aumento no número de novos partidos.
O que o senhor acha sobre essa alteração que traz a PEC 282? É positiva?
Tudo depende de como a matéria vier a ser regulamentado pela legislação infraconstitucional e interpretado pelos tribunais. O Congresso Nacional é o único órgão legitimado a alterar a Constituição e a legislação, mas mesmo o Poder Legislativo não pode alterar tudo.
Corre o risco dessa discussão continuar sendo levada para os tribunais?
Toda e qualquer perda (de mandato) será sempre discutida no tribunal. Se o candidato deixa o partido politico, ele vai dizer que agiu com justa causa. Quem teria direito a essa vaga, o partido ou o suplente, vai dizer que não havia razão. O conflito será levado à Justiça Eleitoral para que no processo próprio, com as garantias da defesa, a questão possa ser solucionada e a legislação aplicada. Se não estiver nas hipóteses de justa causa, o candidato perde o mandato.
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