É fato que verbas do Sistema S promovem candidatos
Já está no ar, nas ondas do rádio, nova propaganda institucional do Sesi-SP em que são enaltecidos seus excelentes serviços no campo da educação. A narração silabada acerca das maravilhas promovidas em prol de crianças e adolescentes fica por conta do presidente do órgão (assim como do Senai-SP, da Fiesp e do Ciesp), Paulo Skaf, que se apresenta e (sempre falando na primeira pessoa do plural) rasga elogios à própria obra, embalado por música orquestral empolgante. Peça similar, em vídeo, está disponível logo na página inicial do Sesi-SP, no canal do órgão no YouTube, assim como no canal pessoal de seu presidente (youtu.be/hLx4RlDQNzY).
No vídeo publicitário, em meio a animações de computação gráfica, belos edifícios e crianças estudando com computadores, Skaf surge reunido com uma suposta equipe de trabalho em um charmoso escritório envidraçado, encenando decisões sobre a ampliação e o aprimoramento de escolas, de modo a transformá-las em "grandes centros educacionais, com padrão de primeiro mundo". Ao final da peça, caminha em passos firmes, circundando a mesa de seus supostos auxiliares (que continuam trabalhando), com olhos fixos na câmera, falando assertivamente da transformação de sonhos em realidade - nesse momento, a música se intensifica e o volume sobe. Numa quebra emotiva, a peça se fecha com uma voz feminina juvenil afirmando que "sonhos se constroem com boa gestão e muito trabalho". Gestão e trabalho, motes da última eleição municipal por quem se apresentava como novo.
De fato, a estética e o linguajar são os mesmos das mais bem-feitas propagandas eleitorais que a cada dois anos aparecem no rádio e na TV. Aliás, talvez não apenas a cada dois anos, pois já parecemos estar diante de propaganda eleitoral, financiada com recursos do Sistema S. O Sesi, assim como Senai, Senac, Sesc, Sebrae, dentre outros, são instituições de direito privado, porém mantidas graças à contribuição compulsória das empresas, calculada segundo alíquotas diversas, incidentes sobre folha de pagamento. A legislação que criou tal sistema remonta aos anos 40 do século XX, mas foi alterada várias vezes desde então, inclusive pela criação de novos organismos e pela possibilidade de que a arrecadação dos recursos se dê diretamente pelo sistema junto aos afiliados. Assim, a Receita Federal não controla esse processo, em prejuízo de sua transparência, como mostrou a "Folha de S. Paulo" em matéria de julho.
Skaf anunciou em maio sua pré-candidatura pelo PMDB ao governo do Estado em 2018, algo, porém, sobejamente conhecido desde antes; já foi candidato em 2014 e tentou a vaga na disputa municipal em São Paulo em 2012, sendo preterido por Gabriel Chalita. Em todas essas ocasiões, antes da disputa, teve nas propagandas institucionais do Sesi um instrumento de divulgação de sua imagem pessoal. Isto, porém, não é algo em que Skaf figure com exclusividade, embora ele claramente se destaque pela constância e intensidade.
Também antes das últimas eleições estaduais, o atual diretor superintendente do Sebrae-SP, Bruno Caetano, figurou destacadamente nos comerciais radiofônicos do órgão. As peças principiavam com sua apresentação, "Bruno Caetano, do Sebrae", que em seguida discorria sobre algum tema de interesse de pequenas e médias empresas. Em 2014 ele foi candidato à Assembleia Legislativa pelo PSDB, mas não se elegeu. Neste período pré-eleitoral Caetano ainda não apareceu, talvez porque Skaf - que preside também o Conselho Deliberativo do Sebrae-SP - ocupa o espaço prioritariamente; no Facebook e também no canal do Sebrae no YouTube, o multipresidente do sistema S paulista aparece em vídeo oficial do fim de setembro, convidando a todos para a Semana do Empreendedor. Por fim, vale notar que também pelo Sebrae surge com frequência nas inserções publicitárias seu presidente nacional, Guilherme Afif Domingos, uma voz reiterada nas peças radiofônicas do órgão, o "Minuto Sebrae".
Com o financiamento direto de empresas a candidatos e partidos proibido, ganha peso estratégico o uso da estrutura de entidades corporativas mantidas com verbas compulsórias para a promoção de personalidades com projetos eleitorais; notadamente, neste caso, recursos advindos das próprias empresas. É curioso que neste cenário de tanta diligência moralizante pelos órgãos de controle e pelos atores do sistema de Justiça, tão preocupados com os alegados "desvios de finalidade", o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Eleitoral se mantenham inertes. Afinal, no caso do primeiro, tratam-se de recursos que mesmo não arrecadados pela Receita Federal, são passíveis do controle pelo TCU. E, no caso do segundo, alguém poderia questionar se o que ocorre não se assemelha uma campanha antecipada, que lança mão de contribuições oficiais em benefício de certos candidatos.
A importância social, cultural e política do Sistema S é inegável. O Sesc, para considerar um caso já bastante conhecido, é um estupendo provedor de bens públicos nas áreas de cultura, esportes e lazer, não somente para seus associados, mas para o público em geral, por todo o território nacional. Por isso mesmo, é preocupante o uso autopromocional dessas organizações por seus dirigentes, em especial por aqueles que permanecem longamente em seu controle (como é o caso de Skaf em São Paulo), ainda mais quando têm ambições eleitorais.
Por um lado, organizações do sistema corporativo empresarial têm caráter eminentemente classista e existem para advogar em prol dos interesses de seus associados - como os sindicatos de trabalhadores, que, não obstante, perderam os recursos de arrecadação compulsória. Por outro, mantêm-se mediante contribuições vultosas, asseguradas por força de lei e voltadas à provisão de bens públicos na área social (como formação profissional, educação e cultura). É de se esperar que haja controle aí, pois o caráter de direito privado dessas organizações não elimina o sentido público da função que, por força e amparo da lei, devem desempenhar.
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Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP
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