Fora do governo, o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, empenha-se em uma longa cruzada que permita, no futuro, evitar uma das maiores frustrações que teve nos oito anos que passou na Casa Branca: "A esperança de trazer as pessoas para perto uma das outras não funcionou", disse ontem no Fórum Cidadão Global, promovido pelo Valor e pelo Banco Santander. O ódio político aumentou, reconheceu Obama, e a análise que faz de seus motivos e as soluções que propõe abrangem alguns dos maiores e mais difíceis problemas contemporâneos.
Obama fez diagnósticos precisos sobre os males da concentração de renda e do descrédito na política. Quando 1% mais rico têm renda equivalente à dos demais 99% "não há estabilidade política", avalia. Sociedades com má distribuição de renda não crescem quanto poderiam e gestam a polarização política, hoje um fenômeno global.
Com a crise de 2008, cujo auge coincide com a posse de Obama, no início do ano seguinte, agravou tendência já anterior de corrosão do poder de compra da classe média para baixo. Martin Wolf, comentarista econômico do Financial Times, havia mencionado dados a esse respeito um pouco antes no fórum. Os salários estão em nível inferior ao que estariam se prevalecesse a tendência anterior à grande recessão. O governo Obama e o Fed domaram a crise, mas o tecido político havia se rompido com a deterioração das rendas por décadas, os efeitos não corrigidos da globalização e a união de todos os republicanos contra ele.
A concentração de renda anda junto com o poder cada vez maior do dinheiro nas eleições e na política, contribuindo para seu descrédito que, em maior ou menor grau, é hoje generalizado nos países desenvolvidos e emergentes. Com isso, para Obama, está sob ameaça o "império da lei, onde os políticos trabalham para você e não o contrário". Políticos são pessoas falíveis como as outras e seu comportamento reflete o meio. "Se uma sociedade é saudável, a política também será", disse, e o bom sistema não é aquele em que os políticos são perfeitos, mas os que dispõem de mecanismos para corrigir seus erros.
A política é a forma de encontrar terreno comum de acordo entre posições divergentes. A influência dos meios digitais tem alimentado a polarização, porque não se baseia em fatos, em torno dos quais é possível haver discussões racionais e, o que é mais importante, a identificação clara por todos de um problema. Parte da mídia e das redes sociais oferecem o ódio sob a forma não de fatos, mas de opiniões, puras mentiras e preconceitos. O avanço tecnológico trouxe enorme progresso e sérios desafios, como esse. A solução é a busca do que se perdeu: a busca de pontos comuns que propiciem acordos com base na verdade dos fatos, para os quais, considera, o jornalismo independente é necessidade insubstituível.
Avanço da globalização e da tecnologia provocaram estragos em várias esferas da vida social, em especial na economia. O deslocamento de setores inteiros da indústria destruiu comunidades inteiras nos EUA e esse sentimento de frustração nutriu também as forças populistas e autoritárias. O remédio para isso é educação e a ampliação tempestiva de redes de proteção social, para amenizar os efeitos de ruptura. A controversa extensão do seguro saúde para os americanos, árdua batalha vencida por Obama, faz parte dessa política de redução de danos. O aumento do salário mínimo, prevalecente no setor de serviços, segue a mesma estratégia.
A fundação de Obama se empenha em formar líderes comunitários, com ênfase na educação dos jovens. O pensamento do ex-presidente reflete a tradição americana dos "grass roots". O Estado é importante para resolver as grandes questões, como redução de pobreza, educação etc. "Mas nada vai mudar se nas comunidades locais as pessoas não se encontrarem, construírem confiança e aprenderem a trabalhar juntas", afirmou.
A renovação política é vital e deve vir da juventude. Políticos longevos deixam de "fazer o melhor" e ocupam o lugar de jovens que em toda parte, segundo Obama, "inspiram, são criativos e estão dispostos a enfrentar riscos e trazer mudanças". A saída para os problemas da democracia é mais democracia, sugere Obama. Educação com igualdade de oportunidades e boa distribuição de renda são o corolário de um programa de ação e método para um comportamento. "A democracia exige trabalho, esforço e envolvimento de cada um de nós", disse. A utilidade dessas reflexões para o caso brasileiro é evidente.
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