- O Globo
A novela do projeto de ajuda aos devedores de impostos chegou ao fim ontem quando o Refis foi aprovado no Senado e agora vai para a sanção. Neste meio tempo, o que ficou claro é que o governo nem deveria ter mandado uma proposta assim numa hora destas. Na Câmara, o projeto foi tão desvirtuado que ontem na Fazenda não se sabia ao certo o quanto vai se arrecadar.
O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel acha que o projeto de renegociação de dívidas é ruim desde o seu início. Não deveria nem ter sido proposto pela Fazenda. Maciel avalia que o Congresso tem desvirtuado grande parte dos textos enviados pelo Executivo e desta vez não foi diferente. Ele foi o autor do primeiro Refis da era do real, no ano 2000, logo após a desvalorização da moeda, e diz que esta proposta nem deveria receber esse nome.
— Refis foi só o primeiro. Isso que foi aprovado não deveria nem ser chamado assim. No meu projeto, houve parcelamento de dívidas. Neste, há parcelamento e desconto de dívidas. Nunca existiu os dois ao mesmo tempo. O risco moral é muito alto porque mais uma vez o empresário que não paga será beneficiado, e o governo perderá receita futura — afirmou.
O governo apresenta o dado de quanto ele vai arrecadar, mas isso esconde o quanto ele vai deixar de arrecadar. Todo refis é renúncia fiscal. O governo informa aos devedores que eles terão novos prazos e, agora, também descontos. E o pior é que a Câmara escalou essa benesse e transformou uma redução em praticamente perdão de juros e multa.
O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), relator do projeto no Senado, reduziu alguns dos problemas. Ele é contra as renegociações de dívida, mas pondera que neste momento de crise a proposta se justifica. Argumenta que a recessão derrubou a arrecadação das empresas, que tiveram que optar entre pagar impostos ou folha de salários e fornecedores:
A recessão foi muito forte e muitas empresas não tiveram escolha. Entre pagar salário e imposto, elas pagaram salários, o que é o correto. Agora, elas precisam se regularizar, para terem novamente todas as certidões negativas e terem acesso ao mercado de crédito. Isso vai ajudar na recuperação e na própria arrecadação do governo.
Ainda assim, Oliveira admite que não é possível para o governo separar quem são os empresários honestos que sofreram os efeitos da crise — que ele acredita serem mais de 90% — dos maus empresários que já apostavam em um projeto de renegociação. Por isso, quer encaminhar uma proposta ao Congresso para impedir que novos Refis sejam aprovados no país pelos próximos 10 anos e que se coloquem normas e regras para a sua implementação.
— Temos que acabar com isso e estabelecer os critérios que podem levar a uma renegociação de dívida, como por exemplo, uma crise longa e profunda como a atual. No Senado, conseguimos impedir vários pontos que foram alterados na Câmara, que levariam a perdas muito maiores para o governo. Se esses artigos não saíssem, eu deixaria a MP caducar — disse.
As principais mudanças em relação ao projeto original, explica Oliveira, são que o desconto total da multa, que antes era de 50%, subiu para 90%. Já o desconto nos juros saltou de 20% para 70%. Uma aberração incluída pelo relator na Câmara, Newton Cardoso Jr., foi retirada na própria Câmara: a que beneficiaria empresas e empresários flagrados em crimes de corrupção. No Senado, caiu a isenção às igrejas e escolas vocacionais do pagamento de contribuição social.
Em São Paulo, o ministro da Fazenda estimou que as perdas com o projeto ficarão em torno de R$ 3 bilhões, mas os técnicos do Ministério falam em uma perda muito maior. Ataídes Oliveira acha que o governo conseguirá arrecadar algo em torno de R$ 9 bilhões este ano. A Fazenda ainda vai analisar o projeto aprovado para recomendar ao presidente a sanção integral ou com vetos.
Agora há pouco a fazer. Projetos como este são um presente para o mau pagador e um aviso aos contribuintes de que leva vantagem quem não paga. Na quarta-feira da semana que vem, dia 11, o Orçamento revisado vai para o Congresso e poderá se saber o quanto caiu em relação à expectativa original de receita. O que nunca se saberá é quanto custou ao país o perdão a quem não pagou seus impostos.
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