Não por acaso uma foto do hotel Sheraton no Rio, com o morro do Vidigal ao fundo, ilustra o blog do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI) deste segundo semestre. Tradicional defensor da austeridade e disciplina fiscais, o Monitor Fiscal apresentado na reunião da semana passada teve como tema a desigualdade e como enfrentá-la. A legenda da foto torna a escolha da ilustração ainda mais óbvia - "Riqueza e pobreza lado a lado no Rio, Brasil: a desigualdade está aumentando nos países ao redor do mundo".
Há quem diga que o FMI chega tarde a esse debate importante e sensível. Mas o organismo tem realmente ampliado seu leque de interesse, abrindo espaço para discutir a corrupção e até reconhecendo a eventual utilidade do controle de capitais.
Assinado pelo diretor de Assuntos Fiscais, Vitor Gaspar, e pela líder do time que analisou o tema, Mercedes Gardia-Escribano, o estudo do Fundo sustenta que a política fiscal é responsável em boa parte pela desigualdade nos países e pode ser usada para corrigir o problema, aproveitando o espaço aberto pela recuperação da economia global. O FMI alinha-se assim à mais recente tendência do debate sobre a desigualdade, encabeçada pelo francês Thomas Piketty, que mergulhou nas declarações de Imposto de Renda e mostrou como os mais ricos acabam pagando relativamente menos tributos com aplicações financeiras, dividendos, heranças e doações.
O alerta do Fundo ganhou espaço na mídia principalmente porque foi visto como uma crítica ao governo de Donald Trump, no momento em que ele articula a maior reforma das regras tributárias americanas em décadas, com medidas que beneficiam a população de alta renda. Washington vestiu a carapuça e rapidamente o Departamento do Tesouro reagiu, rebatendo a conclusão do Fundo de que alíquotas menos progressivas podem agravar a desigualdade e desacelerar o crescimento.
As observações do FMI foram dirigidas a todos países e focam três caminhos para reduzir a desigualdade: a política fiscal baseada em taxas progressivas, programas de renda básica e investimentos em saúde e educação. Segundo o estudo, nas economias avançadas, a política fiscal compensa um terço da desigualdade de renda e as transferências neutralizam os 75% restantes. Já nas economias em desenvolvimento, a tributação menos progressiva e os investimentos menores tornam esses instrumentos menos potentes.
O estudo ressalta o risco - já concreto em muitos países - de se jogar a carga para a classe média quando se reduz a tributação dos mais pobres e se mantém intocadas as rendas de capital dos mais ricos, com seus mecanismos de deduções e de evasão. A taxa máxima do Imposto de Renda dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) declinou da média de 62% em 1981 para 35% em 2015, informa o Fundo.
O Brasil é elogiado pelo programa Bolsa Família, por condicionar a transferência de renda à frequência das crianças na escola e ao acompanhamento nutricional dos bebês, além de oferecer atendimento universal de saúde. A avaliação é que o desenho do programa ajuda a reduzir a desigualdade de renda presente e futura. Na comparação de programas de transferência de renda de oito países, que inclui além do Brasil, o México, Egito, Estados Unidos, França, Polônia, África do Sul e Reino Unido, os dois primeiros são os mais eficientes em redução da pobreza. O México se sai melhor com um custo equivalente a 3,7% do PIB e redução de 0,06 ponto do índice de Gini. O programa brasileiro custa 4,6% do PIB com redução de 0,05 do índice de Gini. Em 2015, o Brasil completou 12 anos seguidos de queda do índice de Gini total, que ficou em 0,491, levando em conta todas as fontes de renda.
Mas as sugestões do FMI não deixam de ser indicadas para o Brasil, que ainda figura entre os maiores em desigualdade. Especialmente útil é o debate em torno da política fiscal. Alguns dos problemas mencionados pelo estudo caem como uma luva no caso brasileiro, que carece de uma revisão da estrutura tributária, especialmente no que se relaciona às isenções para os ganhos com lucros e dividendos. Os impostos indiretos, geralmente os mais regressivos, respondem por 53% da arrecadação brasileira em comparação com 34% na média dos países da OCDE. Muitos deles incidem sobre alimentos e outros bens de consumo, que geralmente têm peso maior no orçamento dos mais pobres.
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