terça-feira, 17 de outubro de 2017

Nova cartada

Sob o impacto da delação de Funaro, Temer escreve a deputados e se diz vítima de conspiração

Vinicius Sassine, Leticia Fernandes e Patricia Cagni | O Globo

-BRASÍLIA- O presidente Michel Temer enviou ontem a 453 parlamentares — 63 senadores e 390 deputados da base aliada — uma carta escrita de próprio punho ao longo do fim de semana, e depois passada para o computador por sua equipe, para rebater a denúncia da Procuradoria-Geral da República que o acusa de organização criminosa e obstrução de justiça. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara deve votar o pedido ainda esta semana. Na carta, o presidente diz ser vítima de “torpezas e vilezas” e considera “incontestável” a existência de “conspiração” para derrubá-lo do cargo.

“Começo pelo áudio da conversa entre os dirigentes da JBS. Diálogo sujo, imoral, indecente, capaz de envergonhar aqueles que o ouvem. (...) Quem o ouviu verificou urdidura conspiratória dos que dele participavam demonstrando como se deu a participação do ex-procurador-geral da República (Rodrigo Janot), por meio de seu mais próximo colaborador, Dr. Marcelo Miller”, escreveu.

Em conversa com O GLOBO à tarde, Michel Temer disse que decidiu ampliar o envio da carta, encaminhando-a também a advogados, amigos, ex-alunos e deputados estaduais. Temer disse ter sido aconselhado a “não dizer nada”, mas considerou “inadmissível” ficar calado em relação à denúncia formulada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

— As pessoas me aconselham a não dizer nada. É inadmissível que eu não diga. Tem de dar uma satisfação. Aliás, estou mandando essa carta para muita gente, sabe? Advogados, meus amigos, para ex-alunos, tenho mais de dez mil alunos espalhados pelo Brasil. Tenho mandado para deputados estaduais, estou tentando, enfim, explicar — afirmou Temer.

O documento foi enviado aos deputados e senadores poucos dias depois da divulgação dos vídeos das delações premiadas de Lúcio Funaro — operador de propinas a políticos do PMDB — e do empresário Joesley Batista. Os arquivos foram compartilhados com a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, responsável pela análise do mérito da segunda denúncia contra o presidente por organização criminosa e obstrução à Justiça. Nos depoimentos, o operador da sigla a qual Temer pertence enfatiza “que parte do dinheiro que era repassado dava um percentual” para o presidente. E acrescenta: “Tinha certeza que Michel Temer sabia que era dinheiro de propina”.

No texto, Temer se diz “indignado” por ser “vítima de gente tão inescrupulosa”. Ele cita entrevista do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso na Lava-Jato, à revista “Época”. O deputado cassado diz que sua tentativa de fechar um acordo de delação premiada junto à força-tarefa da Operação Lava-Jato não foi bem-sucedida porque o procurador-geral exigia que ele incriminasse o presidente da República. “Essa negativa levou o procurador Janot a buscar alguém disposto”, diz Temer no documento, ao se referir à delação do doleiro Lúcio Funaro, operador de esquemas do PMDB na Câmara. “Ressaltando que ele, Funaro, sequer me conhecia”, afirma Temer na carta. 

As cerca de 450 cópias da carta foram entregues na Câmara e no Senado por funcionários da assessoria parlamentar do Planalto. Como boa parte dos pardor ainda não estava em Brasília na segunda-feira, também foram enviadas versões em PDF por e-mail e por WhatsApp. A versão final do texto foi fechada na manhã de domingo, em reunião no Palácio do Jaburu, com a revisão do ministro da Secretaria Geral, Moreira Franco, e do marqueteiro do presidente, Elsinho Mouco. Segundo relatos, Temer fez questão de escrever pessoalmente a carta para dar um “tom pessoal”. O presidente também se valeu do uso de cartas em outros momentos importantes, como, no final de 2015, quando rompeu definitivamente com a ex-presidente Dilma Rousseff.

Na carta aos parlamentares, o presidente também citou o vazamento dos áudios com conversas dos dirigentes da JBS Joesley Batista e Ricardo Saud, e avaliou ter ficado claro o objetivo de “derrubar o presidente da República”. Temer pontuou ainda que nos áudios Joesley diz que, “no momento certo, e de comum acordo com Rodrigo Janot, o depoimento já acertado com Lúcio Funaro ‘fecharia a tampa do caixão’”.

“Diálogo sujo, imoral, indecente, capaz de envergonhar aqueles que o ouvem. (...) Quem o ouviu verificou urdidura conspiratória dos que dele participavam demonstrando como se deu a participação do ex-procurador-geral da República (Rodrigo Janot), por meio de seu mais próximo colaborador, Dr. Marcelo Miller”, avaliou Michel Temer.

“Tudo combinado, tudo ajustado, tudo acertado, com o objetivo de livrar-se de qualquer penalidade e derrubar o presidente da República. (...) Afirmações falsas, denúncias ineptas alicerçadas em fatos construídos artificialmente e, portanto, não verdadeiros, sustentaram as mentiras, falsidades e inverdades que foram divulgadas”, criticou o presidente.

Temer ressaltou ainda que a carta é um “desabafo”. “É uma explicação para aqueles que me conhecem e sabem de mim. É uma satisfação àqueles que democraticamente convivem comigo”, destacou sobre o teor do documento.

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