sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O inimigo eleito – Editorial | O Estado de S. Paulo

Tudo indica que a segunda denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer, rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, será barrada pelo plenário, em votação marcada para a próxima quarta-feira. Infelizmente, contudo, isso não significa que o governo passará finalmente a ter tranquilidade para encaminhar as tão necessárias reformas que, em razão da anuviada atmosfera política, entraram em compasso de espera.

O espírito messiânico que culminou nas desastrosas denúncias da PGR – repletas de ilações, carentes de provas e motivadas pela ânsia justiceira de castigar os mais altos escalões da República para purificar a política nacional – parece ter contaminado o ânimo da opinião pública contra Temer. A tal ponto que praticamente tudo o que emana de seu governo ou com ele é identificado, ainda que remotamente, é desde logo tratado como retrocesso, como cassação de direitos ou, simplesmente, como crime. Para os arautos do desastre pouco importa que a inflação esteja abaixo das expectativas mais otimistas, que o valor da moeda esteja alto, que a economia esteja reagindo à crise de maneira muito favorável.

O catastrofismo contribuiu, como já está evidente, para o comportamento imprudente de uma parte do Judiciário e do Ministério Público, cujos exotismos hermenêuticos, a título de acabar com a impunidade, terminaram por atropelar alguns direitos fundamentais, como a presunção da inocência e o devido processo legal, quando se trata de políticos.

A julgar pelas pesquisas de opinião, que mostram o absoluto descrédito dos parlamentares, dos partidos, das Casas Legislativas e dos governos em geral – em particular de Temer, com sua popularidade quase nula –, consolidou-se o discurso segundo o qual a corrupção é endêmica e generalizada. Num cenário desses, não surpreende que comece a ser bem-sucedida a pregação petista segundo a qual Temer seria mais do que simplesmente um mau administrador; ele seria a encarnação de um projeto destinado a arruinar a vida dos pobres e das minorias, favorecendo grupos econômicos e sociais interessados apenas em ampliar seus lucros e sua força. A corrupção teria sido apenas o meio para chegar ao poder – desalojando o partido que se considera porta-voz dos desvalidos – e implementar esse maligno projeto.


Assim, por exemplo, a recente portaria do Ministério do Trabalho que fixou parâmetros para definir o que é trabalho escravo foi desde logo tratada como inaceitável derrogação de direitos, com o objetivo de obter votos da bancada ruralista para barrar a denúncia contra Temer na Câmara. Em meio à gritaria, houve quem dissesse que só faltava “revogar a Lei Áurea”, como fez a presidente cassada Dilma Rousseff em nota, na qual acrescentou que “o presidente golpista se rende ao que há de pior e mais retrógrado, subordinando-se a empresários atrasados, egoístas e responsáveis por práticas de trabalho escravagistas”. Nesses termos, parece claro que é impossível sustentar um debate racional, assim como já havia acontecido com outras iniciativas importantes de Temer, como a reforma da Previdência – que, segundo os petistas, fará os brasileiros trabalharem “até morrer” – e a reforma trabalhista, contra a qual se insurgiram alguns juízes e fiscais do Trabalho, que prometem ignorar as novas leis a fim de proteger os “direitos” dos trabalhadores.

A histeria é tanta que Temer está sendo responsabilizado até mesmo por uma suposta “onda conservadora” que estaria ameaçando as liberdades artísticas e intelectuais. Circula nas redes sociais uma “carta-manifesto pela democracia” em que “artistas, intelectuais e profissionais de várias áreas” denunciam a tal “onda de ódio”. Ao final do texto, o alvo fica claro: os que chegaram ao poder com Temer depois do “golpe parlamentar” e que agora “passaram a subtrair ou tentar retirar um número significativo de conquistas obtidas pelos brasileiros a partir da Constituição de 1988”, limitando “os direitos individuais, civis e sociais no Brasil, precarizando as condições de trabalho, ameaçando a liberdade de ensino nas escolas, a proteção ao meio ambiente, a união de pessoas do mesmo sexo, etc.”. Esse seria, segundo o manifesto, “o conjunto da obra que resulta do golpe de Estado”.

A estratégia é tão óbvia quanto antiga: cria-se um inimigo – Temer – para que o País esqueça quem é o verdadeiro responsável pela atual tragédia nacional – isto é, o lulopetismo.

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