Em ditaduras, não raro as urnas são instrumentalizadas para conferir algum verniz democrático a um regime carente de Estado de Direito. Tal foi o caso das eleições para governador na Venezuela, realizadas no domingo (15).
Tratou-se de um processo viciado, do início ao fim. Para mencionar apenas o atropelo mais recente, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), servil ao caudilho Nicolás Maduro, mudou na última hora o local de votação de 715 mil eleitores em redutos da oposição, sobretudo na região de Caracas.
Muitos votantes foram redistribuídos para zonas violentas —a capital venezuelana tem uma das mais altas taxas de homicídio do mundo. Outros foram impedidos de chegar às urnas por bloqueios dos paramilitares governistas.
A oferta de candidatos, ademais, mostrava-se amputada. Os dois principais líderes antichavistas, o ex-candidato a presidente Henrique Capriles e o preso político Leopoldo López, estavam impedidos de concorrer, assim como outros oposicionistas menos conhecidos.
Difícil de mensurar, mas perceptível, era o desalento do eleitorado, em meio a uma crise econômica brutal e ao histórico de pleitos manipulados no país.
Basta lembrar a pantomima de julho, quando Maduro convocou uma assim denominada Assembleia Constituinte para substituir o Legislativo hostil ao regime, iniciativa rechaçada à época pela maioria da opinião pública.
O CNE afirmou que participaram daquela votação, boicotada pelos oposicionistas, 8 milhões de eleitores. Noticiou-se, porém, que o número não passou de 3,7 milhões.
Confirmou-se a tradição do regime de sabotar vitórias dos adversários. Em 2007, Hugo Chávez foi derrotado, em referendo, na proposta que extinguia limites à reeleição. Pouco mais de um ano depois, impôs nova votação e, com amplo uso da máquina estatal, obteve o resultado desejado.
Agora, enquanto se dissipam os últimos vestígios de democracia, a vitória dos governistas em ao menos 17 dos 23 Estados não chega a ser surpresa, mesmo depois de o instituto Datanálisis, tido como o mais confiável do país, ter previsto que os candidatos antichavistas ficariam com 62% dos votos.
Numa nota doméstica, vê-se com estupefação —embora, mais uma vez, sem surpresa— o PT classificar o pleito como "exemplo de democracia". Mais lamentável que a proposital distorção do conceito, a legenda demonstra mais uma vez incapacidade de se livrar de escolhas erradas do passado.
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