A agenda negativa do presidente americano Donald Trump avançou rapidamente nos últimos dias, para desespero das chancelarias ao redor do mundo. Do enfrentamento a organismos internacionais que os EUA ajudaram a criar, ao acordo nuclear com o Irã e o Nafta, Trump tem feito o que afinal desejava no campo da política externa, no qual é menos sujeito a interferências do Congresso - que até agora, no plano interno, só lhe trouxe dissabores.
Trump lançou um ataque paralisante na Organização Mundial do Comércio que está impedindo que o Órgão de Apelação da instituição, responsável pela resolução de conflitos comerciais, nomeie seus membros. (Valor, 9 de outubro). A corte tem 7 integrantes, dois dos quais terminaram seus mandatos, e um terceiro expira em dezembro. Os EUA tem impedido a abertura do processo de escolha. Com quatro titulares, o órgão corre sérios riscos, pois há casos em que eles podem se declarar impedidos por advogarem ou trabalharem para uma das partes nas questões em litígio.
Embora tenha vencido disputas em boa parte dos casos litigiosos, os EUA, sob Trump, não engolem uma instituição em que não tenham poder de veto e que condena suas leis domésticas, como o órgão da OMC fez em vários processos antidumping deslanchados pelos americanos. "Os EUA estão matando a OMC por dentro", reclamou a comissária para comércio da União Europeia, Cecilia Malmströn.
Recentemente, cresceu a pressão americana sobre a direção do Banco Mundial por estar fazendo, segundo membros do governo de Trump, muitos empréstimos para a China e outros países de renda média que já não precisariam deles. A ameaça foi clara: ou se muda a política ou os EUA não participarão do aumento de capital do banco. No caso da ONU, a investida se espalha por várias frentes. O país se retirou na semana passada da Unesco, sob alegação de viés anti-Israel de suas decisões.
De efeitos mais imediatos e desconcertantes estão a ofensiva contra o Nafta e o acordo nuclear com o Irã. Renovar o acordo com México e Canadá pode ser algo necessário, mas não é isto que Trump tem em mente. Quase todo o déficit com o México provem do setor automotivo e quase todo o saldo negativo com o Canadá é originado no setor de energia. Trump quer mudar o acordo para estancar déficits de uma forma que acaba por destrui-lo.
Washington quer que o Nafta seja revisto a cada 5 anos, o que institui negociações quase permanentes e cria instabilidade para planos empresariais de longo prazo - o contrário do que um acordo comercial ambiciona. Quer também aumentar o valor agregado para que um produto seja considerado originário do bloco, o que limitará importações e trará distúrbios às cadeias de produção multinacionais. Por último, pretende afrouxar as regras do acordo para a resolução de disputas, para não se submeter a decisões que não as próprias - como na OMC.
Repetindo o bordão eleitoral de que o acordo para impedir que o Irã desenvolva armas nucleares é "o pior já feito na história" americana, Trump disse que os iranianos não está cumprindo o acordo - o que não é verdade. Cabe agora ao Congresso americano definir em 60 dias se determinará sanções ao país. Com um piparote, ele joga por terra uma década de negociações, das quais participou junto com França, Alemanha, Reino Unido, Rússia, China e UE - que discordam dos EUA.
Os EUA deram todos os sinais errados. O Irã está cumprindo as condições estabelecidas e o problema de Trump é que estaria fazendo que nada tem a ver com o acordo - financiando grupos terroristas, por exemplo. Ao sabotar o acordo, Washington desacredita futuros compromissos sobre a questão que possa ter (por hipótese, no caso da Coreia do Norte), já que pode descartá-los a seu bel prazer quando lhe convier. Além disso, coloca mais pressão sobre a ala liberal iraniana e sobre o presidente Hassan Rouhani, fiadores do acordo, e atiça a linha dura dos Guardas Revolucionários, ameaçados de sanções por Trump.
A agenda destrutiva do presidente americano pode ser mais ampla. Trump deverá nomear o presidente e o vice-presidente do Fed, mais uma dupla de diretores. Escolhas erradas no BC mais poderoso do mundo poderiam espalhar turbulências e novas crises. Trump, que hostiliza até as opiniões de seu núcleo de governo, em algum momento terá diante de si o desastre que tanto corteja.
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