- O Estado de S.Paulo
O relatório do Banco Mundial pode dar início a um debate sobre eficiência do gasto
A grande repercussão nas mídias sociais do relatório “Um Ajuste Justo”, do Banco Mundial, sobre a eficiência e crescimento dos gastos públicos no Brasil foi emblemática sobre vários aspectos. A reação foi imediata nas redes tão logo o conteúdo do relatório começou a ser divulgado na internet na manhã da última terça-feira.
No portal do Estadão, a manchete “Para economizar, governo deveria acabar com ensino gratuito, aponta Banco Mundial” ganhou milhares de compartilhamentos, num movimento acelerado que é mais muito mais raro de ser observado quando se trata de notícia da seara econômica.
A polêmica em torno do relatório começou com a matéria sobre recomendação do fim da gratuidade para os mais ricos nas universidades, mas foi ganhando espaço à medida que o tamanho do receituário de arrocho nas despesas do setor público sugerido foi sendo revelado.
No relatório, encomendado pelo Ministério da Fazenda ainda durante o governo Dilma Rousseff, o Banco Mundial propõe a União, Estados e municípios um cardápio duro de corte de despesas de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) – 7% no esfera federal. A maior parte com medidas de difícil implementação e apoio político, como reformas no Simples, nas regras da concessão do abono salarial, fim da vinculação do salário mínimo à aposentadoria, fusão de programas sociais, diminuição das vinculações orçamentárias e mudanças nas regras de acesso ao seguro-desemprego.
Pelo tamanho da reverberação do documento, ficou em evidência quanto o debate dos gastos públicos passou também a render discussões apaixonadas no ambiente atual de polarização pós-impeachment.
O maior mérito do relatório, que na verdade não traz nenhum diagnóstico novo sobre as raízes dos problemas fiscais recorrentes no Brasil, é tocar na ferida das contas públicas sob a ótica global da desigualdade provocada pela transferência de renda dos mais pobres aos mais ricos observada em vários programas e políticas de governo.
Boa parte dessas políticas é defensável à primeira vista numa avaliação menos técnica e pouco aprofundada. Daí a grande dificuldade em falar delas com menos paixão e ideologia.
Além da Previdência socialmente injusta, como os números e o déficit explosivo não têm deixado dúvida, o exemplo que mais chama a atenção no relatório é custo dos servidores públicos. Em quantidade o número de servidores não chega a ser extraordinariamente alto, mas os salários altos têm contribuído para perpetuar a desigualdade.
O relatório ataca despesas alegando injustiça, porém, é pouco enfático em sugerir medidas que distribuam a riqueza dos mais ricos, que são subtributados no Brasil. Essa desigualdade ficou um pouco escondida no debate, mas a discussão em torno dela é a que mais cresceu no País nos últimos meses.
Nem mesmo o Banco Mundial estava preparado para o barril de pólvora que se transformou o estudo, principalmente, nesse momento de definição política das candidaturas nas eleições do ano que vem. O banco se assustou.
É inegável que o debate sobre os gastos públicos chegou para ficar pressionado por um fator técnico: o teto do gasto que limita o crescimento da despesa de um ano para o outro à variação da inflação.
A ficha da restrição orçamentária do teto começou a cair. E, mesmo num cenário de recuperação de receitas, vai empurrar e alimentar o debate sobre as políticas orçamentárias e a ineficiência de programas, sobretudo os sociais.
Por trás do relatório, o jogo em questão é o tamanho do Estado que se quer, inclusive depois que o crescimento econômico chegar para valer como todos esperam.
É bom lembrar que quando o teto foi discutido o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que a estratégia era reduzir as despesas primárias para um patamar de 15% do PIB. Sem o teto, a trajetória das despesas caminhava dos atuais 20% para 26% do PIB em 10 anos. Portanto, a redução do tamanho do Estado já estava contratada desde o início. E não é pouca coisa. Até mais do que os 8% do PIB defendidos pelo Banco Mundial. Esse ajuste está embutido na política econômica adotada pelo governo Michel Temer.
Independentemente do viés ideológico, o relatório pode sim servir de ponto de partida para uma plataforma de debate sobre a eficiência do gasto. Quem discordar que comece a apontar os caminhos. As eleições estão logo ali.
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