- Folha de S. Paulo
Estou entre aqueles que veem alguma lógica na existência do chamado foro privilegiado. Ao menos em teoria, ele serviria para evitar que autoridades fossem tanto beneficiadas como prejudicadas por decisões politicamente motivadas proferidas por juiz singular.
Está claro, porém, que, na prática, o instituto foi pervertido e hoje se presta mais a blindar políticos que cometeram crimes do que a preservar mandatos e assegurar uma Justiça menos influenciada por políticos.
Identifico duas razões principais para a transmutação, que ainda por cima potencializam uma à outra. A primeira é a multiplicação dos casos. Seja porque a corrupção é contagiosa, seja porque o Estado foi sequestrado por interesses privados, seja porque passamos a investigar mais, o fato é que as situações em que o foro teria de ser acionado deixaram de ser eventos ocasionais para tornar-se corriqueiros. Só a Operação Lava Jato, deflagrada em 2014, produziu, apenas no STF, um exército de 603 pessoas a investigar.
E é aí que entra a segunda razão. Como as cortes superiores e as cúpulas dos ministérios públicos não têm estrutura nem apetite para julgar originariamente políticos, a coisa anda muito devagar. Embora 164 inquéritos derivados da Lava Jato tenham sido abertos no STF, apenas seis casos já viraram ações penais e ainda não houve nenhum julgamento (no mesmo período, o juiz Sergio Moro já sentenciou mais de cem réus).
Entramos, assim, num ciclo vicioso. Como as cortes estão congestionadas, ações penais contra políticos não avançam e, como não avançam, políticos se aferram a seus cargos e até buscam mandatos e nomeações com vistas a adiar um julgamento. A prescrição vira boia de salvação.
Isso não apenas frustra a perspectiva de aplicação universal da lei, desafiando a ideia de igualdade republicana, como ainda avilta a imagem da democracia, ao sugerir que a política dá abrigo a criminosos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário