- Valor Econômico
Não aprovar reformas é ludibriar o eleitor
O país entrará o ano de 2018 em situação de grave vulnerabilidade fiscal e com os dois candidatos dos extremos - Lula e Jair Bolsonaro - somando cerca de 50% das intenções de votos para a Presidência da República. Sem a aprovação da PEC da Previdência e os candidatos à frente nas pesquisas com um discurso avesso à agenda de reformas, o quadro para 2018 torna-se propício a turbulências que remetem a 2002.
Naquele ano Lula, em meio a solavancos no mercado e alta volatilidade nos preços dos ativos, escreveu a Carta aos Brasileiros, onde comprometeu-se com a estabilidade econômica e com o respeito a contratos. Ele venceu as eleições e assumiu a Presidência com uma inflação de dois dígitos (12,63%), pressionada pela valorização do dólar, que chegou a ser cotado a R$ 4,00, em meio aos temores do mercado com o resultado das eleições. A elevação dos juros para conter a escalada dos preços produziu uma recessão no primeiro semestre de 2003, ano em que prevaleceu a ortodoxia e a economia cresceu 1,1%.
São grandes as diferenças entre aquele período e agora. Em 2002 o país não tinha reservas cambiais e carregava expressiva parcela da dívida indexada ao câmbio. Em compensação, a dívida pública bruta não era tão elevada e crescente como hoje, e o setor público vinha há vários anos com superávit primário nas suas contas consolidadas.
O agravante, agora, é que dívida bruta/PIB está em trajetória insustentável e desde 2014 as contas públicas registram déficit primário que, mesmo com o teto para o gasto, vai perdurar até 2024, segundo projeções do Banco Mundial. Só em 2029, diz o Bird, o setor público voltaria a produzir um superávit primário de 2% do PIB, necessário para estabilizar a relação dívida/PIB. Muito antes disso, porém, a dívida bruta superaria 100% do PIB.
O país está novamente sujeito a turbulências que podem interromper a retomada do crescimento que se consolida e dissemina, com a expansão do consumo e do investimento; e, mais uma vez, exposto ao risco da velha assombração da "dominância fiscal", a antessala da hiperinflação. Esse é um quadro em que as finanças públicas estao em tal penúria que o uso dos juros para conter a inflação piora o endividamento e acaba por aumentar a inflação de forma explosiva. Ela, a hiperinflação, é que faz o ajuste ao corroer o valor da dívida.
Um exercício feito por economistas do Ministério do Planejamento, para medir os efeitos da não aprovação da PEC da Previdência Social sobre o PIB e sobre o endividamento público, mostra que a recusa da reforma das aposentadorias pode prejudicar o curso da retomada do crescimento e do emprego e reduzir em até 5 salários mínimos a renda per capita do brasileiro em três anos (de 2018 a 2020).
A dívida bruta, que hoje encontra-se em 76% do PIB, sem a reforma da Previdência chegará a 92% do PIB em 2021, trajetória que eleva o risco de "default" do governo federal.
O fato é que a única medida fiscal aprovada até agora é a que estabelece um teto para o gasto público nos próximos 10 a 20 anos. Foi a credibilidade desse novo regime fiscal, baseado no teto para o gasto, que fez o risco país medido pelo CDS (Credit Default Swap) de cinco anos despencar de 500 pontos em 2016 para menos de 170 pontos recentemente. Essa foi uma queda inédita diante do peso elevado do serviço da dívida. A crença dos agentes econômicos no teto permitiu forte queda na estrutura a termo da taxa de juros, reduziu o custo de carregamento da dívida e ajudou na retomada do crescimento, argumentam os técnicos.
O teto, embora fruto de determinação constitucional, só será factível com a aprovação de reformas, a começar da Previdência. Se um novo regime de aposentadorias não for aprovado e os dois candidatos mais fortes à sucessão presidencial não abraçarem uma agenda reformista chega-se facilmente, pela aritmética, à conclusão de que o governo não terá como honrar a dívida. Nesse caso, ele vai dar um "calote" ou a alta da inflação dará o "calote" por ele.
O texto dos técnicos ajuda a compor um cenário possível para os próximos anos em que a recuperação da economia perde força e o país entra em nova recessão em 2019. Parece terrorismo! Infelizmente, não é.
Os gastos com a Previdência crescem 5% em termos reais há quatro anos, bem acima, portanto, do crescimento do PIB. Dada a rigidez do orçamento federal e a existência do teto, em 2020/21 o espaço para as despesas discricionárias será zero. Diante dessa impossibilidade, o que vai acontecer é o teto virar letra morta. Perde-se, portanto, a única "âncora fiscal". Na sequência, a dívida/PIB aumenta, o risco Brasil piora, a taxa de câmbio se deprecia, os juros aumentam e deprime o crescimento.
Essa é a sequência natural dos eventos cujos efeitos serão tão mais agudos quanto pior for o risco Brasil medido pelo CDS. Se com a não aprovação da reforma da previdência o risco subir para 300 pontos, a perda de renda para cada brasileiro será de algo próximo a R$ 2.700 em três anos. Se o risco voltar ao padrão de 2016, de 500 pontos, a retração da renda real per capita poderá chegar a R$ 4.690,00 entre 2018 e 2020, segundo cálculos dos técnicos.
Eles não mencionam o risco de se instalar um estado de "dominância fiscal", mas esta pode ser uma conclusão dos desdobramentos de possíveis turbulências no ano que vem.
O mercado, é importante salientar, não aposta na eleição de Lula nem de Bolsonaro, mas de um candidato de centro que prossiga na agenda reformista.
Os governos distribuem benesses sem fazer contas e arruinam as finanças públicas. Os políticos se recusam a consertar os danos - a rejeição à reforma da previdência é um exemplo - para não comprometer a sua reeleição. Partidos como o PSDB negam sua índole reformista. Os eleitores podem até ser enganados, mas cedo ou tarde vão receber a fatura.
A crise do Rio de Janeiro é um retrato da irresponsabilidade fiscal. Esta o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ontem jogou um balde de água fria na votação da reforma ainda este ano, conhece bem.
Como se vê, a estabilidade econômica ainda não é um direito assegurado ao povo brasileiro.
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