- Valor Econômico
Lula, Bolsonaro e Alckmin passados em revista na FGV
"Estamos perdidos". Assim começou sua fala na noite de quarta-feira Yoshiaki Nakano, em um seminário realizado na Fundação Getulio Vargas em que se uniram cientistas políticos e economistas para analisar o cenário político a curto e médio prazo. Secretário da Fazenda que fez um duro ajuste em São Paulo durante a administração de Mário Covas, na segunda metade dos anos 90, Nakano por vezes é descrito como um interlocutor frequente do governador e presidenciável tucano Geraldo Alckmin, mas na realidade estão distantes.
O juízo que Nakano faz de Alckmin é severo. E não provém de desconhecimento do personagem, pelo contrário. O economista considera conhecê-lo o suficiente. Em resumo, Nakano é cético em relação à disposição do governador de liderar um processo de reforma do Estado caso se torne presidente. Duvida de sua capacidade de resistir a uma captura de interesses clientelistas.
Para o economista, o Brasil vaga na incerteza. "Vivemos muito mais do que uma crise política. Temos um presidencialismo de coalizão que virou o clientelismo da compra de votos. O presidente só quer sobreviver no poder, o diretor da Polícia Federal virou um sindicalista em defesa dos privilégios da categoria e a qualidade da burocracia do Estado é infinitamente pior que a da classe política. Os políticos são mais competentes em conseguir o que se propõem", disse.
Com déficit público equivalente a 9% do PIB pela proa, o Brasil se prepara para a disputa do ontem contra o anteontem. "Já que olhar para frente dá desespero, resta olhar para trás", diz Nakano. Neste balaio entra Lula, que evoca tempos felizes da década passada e lutas travadas em meados do século 20 e entra Bolsonaro.
Lula e Bolsonaro protagonizaram a noite na FGV. O destino jurídico de Lula é a pedra angular. "Se Lula participar da eleição, vamos viver a radicalização. Ou se é a favor dele, ou se é contra. Sem ele, o caminho está aberto para outras discussões", opinou o economista Marcelo Kfouri.
Os seminaristas da FGV enquadram Lula dentro do universo tradicional da política. Ninguém considerou que um eventual segundo governo Lula será marcado por uma ruptura em direção ao populismo de esquerda. O chavismo no Brasil é outro, tem sinal invertido: trafega pela direita. É Bolsonaro que faz o discurso do homem providencial, constrói nos adversários a imagem de inimigo do povo e busca estabelecer com as massas a interlocução direta, no modelo clássico do que se definiu como populismo em tempos passados.
O cientista político Cláudio Couto traçou as vidas paralelas do capitão brasileiro e do falecido coronel venezuelano. Ambos flertaram com a ruptura quando estavam nos quadros das Forças Armadas, ambos já ameaçaram subverter as instituições na vida civil, um mudou até o nome do país, o outro promete uma era absolutamente nova. Na visão de Couto, Bolsonaro tem o sabor dos políticos da Europa que estiveram em voga nos anos 30.
A diferença essencial entre Hugo Chávez e Jair Bolsonaro é que não há no horizonte a possibilidade do deputado brasileiro alcançar maioria absoluta nas eleições de outubro. Ninguém trabalha com esta hipótese. E o segundo turno foi criado exatamente para impedir que sujeitos como Bolsonaro cheguem ao poder. "O segundo turno o destruirá. Todos se unem contra ele", apostou o cientista político Fernando Abrucio.
Lula no poder será um presidente eleito com discurso de esquerda e atuação aliancista, em um cenário de provável retração do PT na Câmara e no Senado. Como se não bastasse toda a complicação jurídica que o cerca, pode pairar de novo sobre o Brasil o espectro do estelionato eleitoral, como observou Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências. Conseguiria Lula administrar as expectativas em uma posição de fragilidade? não há resposta.
Geraldo Alckmin, de longe, é dos presidenciáveis o que tem maior capacidade de construir governabilidade, poucos discordam. Faz parte do "establishment", manda no principal colégio eleitoral do Brasil, tem tempo na televisão, conta com apoio da elite empresarial e de parte da elite acadêmica. Mais importante: busca o centro, o que pode proporcionar uma vantagem significativa em um segundo turno contra um radical.
O tucano é um trago amargo para um eleitorado que está exausto do sistema que se implantou no Brasil desde a Nova República, mas sua meta nesta eleição é chegar em segundo lugar no primeiro turno, e não em primeiro.
O desafio de Alckmin é lidar com o chamado "legado Temer". Os seminaristas de ontem não creem que inflação baixa, queda da taxa de desemprego e PIB se recuperando serão fenômenos com força suficiente para o governismo ser um ativo, e não um problema, na disputa eleitoral de 2018. Esta, entretanto, é uma questão que está longe da resolução. Talvez o surgimento de uma candidatura governista alternativa a de Alckmin ajude o tucano a se libertar do fardo do governismo. Mas é inegável que fragmenta o centro.
A debilidade de Alckmin em forjar uma grande aliança e a de Lula em desvencilhar-se da carga da Lava-Jato irão manter acesa a chama das terceiras vias. Há lugar ao sol para todos que se aventuram em quebrar a polarização tradicional. São todos "outsiders" a seu modo, nenhum de fato um "outsider" total. Pela centro-esquerda, em um partido médio, existe Ciro Gomes, que em meio a todas suas incoerências fez da crítica ao PMDB um fio condutor de toda sua carreira política. Marina Silva e Joaquim Barbosa parecem transitar na mesma faixa, vão um pouco além de Ciro na distância em relação ao tradicional pela distância que guardam do sistema partidário como um todo. Álvaro Dias com até 6% nas pesquisas é um mistério que indica como o veio de se buscar qualquer coisa nova é promissor.
Todos os "outsiders" terão o mesmo problema: governar em contraponto a um Congresso totalmente "insider". Ninguém será capaz de fazer o que Emmanuel Macron fez: eleger na esteira um Congresso inteiramente novo. Terão que fazer o pão com a massa que têm. Há sérias dúvidas entre os seminaristas de ontem sobre a capacidade deste grupo em pactuar com forças adversárias.
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