- O Estado de S.Paulo
A ‘regra de ouro’ não pode, em hipótese alguma, deixar de ser cumprida
É cadeia. O código penal brasileiro prevê reclusão de um a dois anos para quem ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito sem prévia autorização legislativa. A punição foi incluída em 2000, quando foi aprovada a Lei 10.028, que trata de crimes contra as finanças públicas.
Isso explica a urgência do governo para mudar a Constituição e impedir que o descumprimento da chamada “regra de ouro” leve autoridades aos tribunais por crime de responsabilidade fiscal. Experiência vivida pela ex-presidente Dilma Rousseff no caso das pedaladas fiscais, que serviu de justificativa para o seu impeachment.
Pouco conhecida até agora, a regra constitucional proíbe o Tesouro Nacional de se endividar para bancar despesas de custeio do governo (como gastos com pessoal e Previdência). O endividamento só é permitido para o refinanciamento da própria dívida ou para despesas de investimento.
Por isso, essa regra foi chamada “de ouro”. Ela não pode deixar – em hipótese alguma – de ser cumprida, sob o risco de o governo ter de parar de pagar as suas despesas, o que levaria de fato à paralisação da máquina administrativa, numa situação limite que é mais conhecida como “shutdown”. O risco legal pode se transformar em risco de mercado.
A possibilidade de descumprimento existiu em 2017, mas foi resolvida com a devolução antecipada de R$ 50 bilhões pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em empréstimos feitos no passado. Para 2019, o risco é 100% certo que a regra será violada. A alteração na “regra de ouro”, portanto, vai tirar do caminho do sucessor do presidente Michel Temer um problema a mais que teria para administrar logo no primeiro ano da sua gestão.
Já para 2018, o perigo só estará fora do radar se o banco de fomento devolver outros R$ 130 bilhões ao longo do ano. É, aí, que está o detalhe que chama a atenção em toda essa negociação do governo com o Congresso Nacional para mudar a regra de ouro. Se o banco não devolver, o problema passa a ser também de Temer e sua equipe econômica. E não apenas do seu sucessor. O desespero é grande.
O BNDES e grupos políticos-empresariais não querem travar o banco em 2018, ano de eleições, de retomada do crédito e recuperação mais forte da economia. Vem daí a forte resistência em deixar o caixa do banco de desenvolvimento mais vazio. Uma flexibilização da regra de ouro pode facilitar. Muitos políticos, inclusive, estão com ciúmes das prioridades dadas pelo presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, a certos grupos na concessão do crédito.
Será uma mudança difícil de acontecer no Congresso do jeito que o Ministério da Fazenda quer. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para alterar a regra, que está sendo desenhada pela equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, prevê contrapartidas a serem adotadas, no mesmo modelo desenhado na emenda constitucional que criou o teto de gastos. Se não houver o cumprimento da regra, são acionadas “gatilhos” com medidas autocorretivas que permitam que a norma possa ser respeitada depois, como o congelamento dos salários de servidores.
A Câmara, no entanto, quer uma suspensão da vigência da regra por um determinado período. Tudo indica que esse desenho prevalecerá.
A perspectiva é que nenhuma reforma mais dura passe no Congresso. É que, apesar da crise fiscal, não está faltando dinheiro para os políticos. Continua pingando no caixa deles. Em cada ministério tem um político no comando e os parlamentares continuam insensíveis ao drama fiscal.
A manutenção da regra de ouro forçaria a paralisação de fato do pagamento de algumas despesas, o que poderia fazer o Congresso Nacional se mexer. Esse é o maior problema da antecipação do debate sobre a mudança da regra. Por outro lado, a discussão pode ajudar a empurrar o Congresso a começar a retirar as amarras do Orçamento, hoje muito engessado e cheio de vinculações de receitas e despesas. Uma janela de oportunidade que não pode ser perdida. As duas discussões devem correr juntas. Não há dúvidas, no entanto, que a necessidade de mudança é um retrocesso para as contas públicas.
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