- Valor Econômico
Não faz sentido passar do déficit de R$ 110 bi para R$ 161 bi
O leitor que acompanhou os últimos resultados fiscais do Brasil pode estar se perguntando por que razão o setor público vai passar de um déficit primário de R$ 110,6 bilhões, registrado em 2017, para um déficit de R$ 161,3 bilhões, que é a meta fiscal definida em lei para este ano. Como isso será feito?
O governo vai executar um colossal programa de gastos públicos para impulsionar o crescimento da economia e, para isso, pretende aumentar o buraco nas contas em R$ 50 bilhões? Ou está na expectativa de uma nova recessão econômica, que derrubará de forma dramática a arrecadação tributária, tornando inevitável prever um déficit maior?
Nada disso ocorrerá, evidentemente, mas a sinalização que a meta fiscal de 2018 está dando é de que o governo executará uma política fiscal extremamente expansionista. Qual é o sentido de manter uma meta que não indica a preocupação com a responsabilidade fiscal? Nem mostra que o governo está realizando um esforço para equilibrar suas contas e evitar a insolvência da União?
Alguns analistas podem, maldosamente, especular que a generosa margem da meta deste ano esteja relacionada com as eleições de outubro. Ou seja, que o governo esteja capitulando à tentação de gastar muitos recursos para eleger o seu candidato à Presidência da República e os políticos que lhe são favoráveis. Se isso ocorrer, não será novidade nem no Brasil e nem no mundo. Existem, inclusive, estudos sérios mostrando que uma expansão fiscal maior em ano eleitoral é quase uma regra.
Em agosto do ano passado, preocupado com a intensidade da recessão econômica e com o seu efeito negativo sobre a receita dos tributos federais, o governo propôs elevar as metas de déficit primário de 2017, 2018 e 2019. Não era só a receita tributária que estava em queda, mas não existia uma expectativa muito favorável à obtenção de um montante expressivo de receita extraordinária, que tem sido, nos últimos anos, indispensável para o fechamento das contas.
Além disso, os problemas enfrentados pela ex-presidente Dilma Rousseff, principalmente com o Tribunal de Contas da União (TCU), por não ter feito uma execução orçamentária em sintonia com a realidade financeira do Tesouro, estão levando as autoridades governamentais a estabelecer metas fiscais mais folgadas.
É compreensível que ninguém queira correr riscos, mas a continuidade dessa prática transformará a meta fiscal em um instrumento irrelevante. Existiam, no entanto, razões consideráveis para o governo propor a mudança das metas fiscais.
O que aconteceu no fim de 2017 surpreendeu até o analista mais otimista. Houve uma enxurrada de receitas extraordinárias e a arrecadação tributária começou a reagir de forma expressiva, em compasso com a retomada da atividade.
O resultado dessa reviravolta foi que a arrecadação líquida da União, depois das transferências de receitas para Estados e municípios, terminou 2017 com um aumento de 2,5%, em termos reais, na comparação com 2016.
Como o governo também controlou as despesas, que caíram 1% em relação a 2016, em termos reais, o déficit primário do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) ficou em R$ 118,4 bilhões, bem abaixo da meta de R$ 159 bilhões prevista em lei. Os Estados e municípios registraram superávit primário de R$ 7,5 bilhões em 2017, de acordo com dados do Banco Central divulgados ontem, ante uma previsão de déficit de R$ 1,1 bilhão.
A expectativa para este ano é de uma melhora considerável da arrecadação tributária, embora algumas medidas propostas pelo governo não tenham sido aprovadas pelo Congresso. O governo perdeu, por exemplo, R$ 6 bilhões com a não aprovação de mudanças na tributação dos fundos exclusivos de investimento. Perderá igualmente R$ 5,8 bilhões, em termos líquidos, com a não aprovação da reoneração da folha de pagamentos de alguns setores da economia.
Existe ainda a perspectiva concreta de que o Congresso não aprove o projeto de privatização da Eletrobras. O governo espera obter R$ 12,2 bilhões com essa operação, que enfrenta resistências de muitos políticos.
Para compensar essas frustrações, o governo busca receitas extraordinárias e, ao que tudo indica, já encontrou uma: o megaleilão do excedente de petróleo da área repassada à Petrobras, em 2010, em cessão onerosa. O Ministério de Minas e Energia estima obter entre R$ 80 bilhões e R$ 100 bilhões em bônus de assinatura das áreas licitadas, o que seria suficiente para pagar o que a Petrobras reivindica na revisão do contrato de cessão onerosa e engordar o caixa do Tesouro neste ano.
Se essa receita extraordinária do petróleo ingressar mesmo nos cofres públicos, o governo não terá problema para fechar suas contas e poderá, até mesmo, reduzir o déficit primário para um valor inferior ao registrado no ano passado. Quem sabe inferior a R$ 100 bilhões.
Mas quem garante que a montanha de dinheiro a ser obtida com o petróleo será usada para reduzir o rombo das contas públicas e não para aumentar os gastos? A dúvida surge principalmente porque o governo central tem uma meta a cumprir de déficit primário de R$ 159 bilhões.
Além da generosa meta fiscal, o governo está autorizado, constitucionalmente, a aumentar os seus gastos deste ano em R$ 89 bilhões. No ano passado, as despesas da União submetidas ao teto de gasto foram de R$ 1,259 trilhão. Como o limite para a despesa em 2018 foi fixado em R$ 1,348 trilhão, existe uma margem de R$ 89 bilhões para ampliar o gasto.
Para se ter uma ideia do que isso significa, a despesa submetida ao teto em 2017 subiu R$ 38 bilhões, na comparação com 2016. O governo está autorizado, portanto, a gastar mais do que o dobro disso em 2018.
Se a situação da receita tributária mudou para melhor e existe a expectativa de uma grande receita extraordinária com o petróleo, nada mais razoável do que fazer o movimento inverso ao de agosto do ano passado, mudando a meta fiscal para reduzir o déficit primário previsto para 2018. Esse seria o movimento mais adequado para mostrar o empenho do governo com uma política fiscal responsável.
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