- Valor Econômico
Judiciário vira ator central da 'vontade manufaturada'
O momento da política brasileira é confuso, a pesquisa do Datafolha divulgada nesta quarta-feira aponta para mais incertezas na corrida presidencial e não custa recorrer aos clássicos para entender o que se passa. Foi Joseph Schumpeter, o economista austríaco, em sua análise influente e ácida sobre a democracia, o autor do conceito de "vontade manufaturada".
Eleições não refletem o resultado da vontade geral e espontânea de um povo, de uma sociedade, em abstrato. Seus resultados são fabricados. Há uma longa "cadeia produtiva" na qual uma malha de atores planejam, articulam, moldam a disputa, muito antes de chegar a vez de o cidadão comum opinar. O eleitor escolhe quando o cardápio está pronto. É mais um consumidor do que a emanação de vontade própria.
Eleição deriva da palavra elite e é um processo de escolha que tem características aristocráticas. A rigor, o sorteio, praticado na Grécia antiga, seria o método democrático por excelência, como lembrou o cientista político francês Bernard Manin. (Talvez não fosse má ideia diante da encalacrada em que se transformou o caminho para a seleção do próximo presidente da República). Tais formulações rebaixam as expectativas a respeito de um sistema dito democrático.
Desde a publicação de "Capitalismo, Socialismo e Democracia", em 1942, as pesquisas eleitorais ganharam em sofisticação e relevância e incorporaram cada vez mais a vontade prévia do eleitor. Levantamentos quantitativos e qualitativos podem derrubar uma candidatura. Antecipam o que o consumidor quer ou não como produto no mercado eleitoral. Mas a ideia de que o cidadão comum está na maior parte do tempo alheio à construção da oferta eleitoral ainda sobrevive.
Em regra, os atores que influenciam o processo são os políticos e os econômicos. A novidade na conjuntura brasileira para 2018 é a presença monolítica do Judiciário como instituição central para a elaboração da "vontade manufaturada".
Os três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que condenaram Lula são, até o momento, os grandes eleitores da corrida presidencial deste ano. Formaram o que pode ser considerado o primeiro turno, de fato, ao Planalto. Os votos de três magistrados se sobrepõem à preferência de 34% do eleitorado, no cenário mais provável pesquisado pelo Datafolha. Lula teria cerca de 40 milhões de votos se a eleição fosse hoje.
Mas a decisão tem o condão de retirar do páreo o favorito que venceria em todos os cenários, na primeira rodada, e na segunda etapa de votação. Lula vai recorrer, não está morto, mas está inelegível, pela Lei da Ficha Limpa. O primeiro turno de 2018 ocorreu em Porto Alegre, no dia 24 de janeiro.
Sem o petista, o levantamento do Datafolha mostra uma eleição indefinida, em que até a posição do fenômeno Jair Bolsonaro não está assegurada. Por enquanto, se apresenta como forte candidato, se mantiver o patamar de 20%. É o suficiente para chegar ao segundo turno, sobretudo se confirmada a tendência de fragmentação de candidaturas como em 1989. Até o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) - velho frequentador de telejornais, porém peça inexpressiva no tabuleiro presidencial - registrou 6%.
No entanto, sem estrutura partidária, será complicado para Bolsonaro deter o avanço dos adversários. Seja da máquina política do PSDB - ainda que o governador Geraldo Alckmin não tenha decolado -; seja de algum candidato outsider e mais ao centro como o apresentador Luciano Huck - que também está abaixo do que se esperaria de figura tão midiática e popular -; seja pela migração das preferências por Lula para outro candidato do PT ou ligado à esquerda, especialmente Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), no momento os maiores beneficiários do banimento do petista da disputa.
Jaques Wagner marcou apenas 2% mas tende a crescer na medida em que sua imagem, durante a campanha, for associada à de Lula. O poder de transferência de votos do ex-presidente se reduziu em relação à última pesquisa, mas ainda é propulsor para candidatura de qualquer apadrinhado - sobretudo num cenário de fragmentação: 27% dos eleitores afirmam que o apoio de Lula os faria votar, "com certeza", num candidato indicado pelo petista, e 17% disseram que "talvez" votassem. Se apenas metade do primeiro grupo mantiver a disposição até outubro, o candidato lulista já atingiria 13,5%.
A dificuldade é que o processo de transferência precisaria ser feito o quanto antes e, no PT, a disposição é de bancar Lula até o limite do impossível. Nesse sentido, a prisão do líder petista pode até ser, paradoxalmente, vantajosa eleitoralmente pois tende a definir o rumo do partido na disputa. Decidir no meio do caminho, sem construir a alternativa, aumenta o risco de fim melancólico para as pretensões de um PT a serviço dos destinos de Lula.
Em contraste, o sentimento de injustiça e a necessidade de sobrevivência podem dar ao PT um espírito de coesão que parece faltar à equipe de Bolsonaro neste período de pré-campanha. O deputado federal não carece apenas de recursos de fundo partidário e eleitoral e do tempo de TV, mas de entendimento mínimo entre os auxiliares.
De acordo com uma fonte muito próxima ao pré-candidato, consultada pela coluna, a equipe original de Bolsonaro rachou durante o fracassado processo de migração do PSC para o PEN/Patriota. Não fazem mais parte do núcleo duro da equipe o advogado Bernardo Santoro, o ex-árbitro de futebol Gutemberg de Paula Fonseca e Rodrigo Amorim, que foi vice de Flávio Bolsonaro, filho do deputado, na chapa que disputou a prefeitura do Rio no ano passado. Eram "os três porquinhos" como o interlocutor a eles se refere, ao sugerir que teriam feito supostas negociações escusas à revelia do pré-candidato nos diretórios que passaram a comandar.
O grande receio de Bolsonaro, mesmo depois de ter acertado a filiação ao PSL de Luciano Bivar, ainda é levar uma pernada e ver seu nome rifado pela sigla na reta final. "Já ouvi que nossa candidatura vale R$ 50 milhões e um ministério", diz o interlocutor do parlamentar. É muita vontade de manufaturar.
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