- Folha de S. Paulo
Privar alguém de ser reconhecido pelo sexo com o qual se identifica configura uma violação
É irrepreensível a decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada por unanimidade, de autorizar a mudança de sexo no registro civil sem a necessidade de passar por cirurgias ou avaliações psicológicas.
Melhor ainda, a maioria dos magistrados optou por instituir um procedimento minimamente burocrático, que dispensa autorização judicial e pode ser feito diretamente nos cartórios, bastando “a expressão da vontade do solicitante”, se é lícito citar o ministro Luís Roberto Barroso.
Mais do que jurídica, essa é uma questão filosófica. Nós, seres humanos, somos incapazes de seguir a máxima consequencialista de tentar prover a maior felicidade possível para o maior número de pessoas. É que, para fazê-lo, é necessário tratar todos os indivíduos de forma absolutamente imparcial, e seria desumano exigir de uma pessoa que não demonstre preferência por seu filho ou que dispense ao melhor amigo a mesma atenção que dá a um desconhecido.
O Estado, porém, não está sujeito aos deveres do amor e da amizade. Ele não só pode como deve considerar igualmente os interesses de cada cidadão, não importando se é um mendigo ou o presidente da República. Nesse contexto, o gênero da pessoa se torna irrelevante e nem precisaria constar dos documentos oficiais. Mas, dado que consta, privar alguém de ser reconhecido pelo sexo com o qual se identifica só subtrai felicidade do montante global, configurando uma violação à máxima consequencialista.
Só vejo um problema na decisão. Do jeito desburocratizado que ficou, homens cansados de trabalhar já podem em tese virar mulher para aposentar-se mais cedo. O único inconveniente é que na carteira de motorista vai aparecer um prenome feminino, o que pode levar a algumas saias justas.
Nada disso, insisto, invalida a decisão do STF. Apenas ressalta a urgência de uma reforma da Previdência que iguale a idade de aposentadoria de todos.
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