terça-feira, 6 de março de 2018

Raymundo Costa: Omissão do STF cria insegurança jurídica

- Valor Econômico

Sucessão não desata sem definição sobre ex-presidente Lula

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) não tem outra opção: ela deve pautar o quanto antes o julgamento sobre a constitucionalidade das prisões efetuadas logo após sentença condenatória em segunda instância. A situação vigente, na qual cada cabeça de ministro é uma sentença, cria uma situação real de insegurança jurídica e lança incertezas sobre as eleições. A sucessão presidencial de outubro não desata também por causa dessa indefinição.

Não se trata só de Lula, há vários outros réus na mesma situação do ex-presidente, que não podem ser prejudicados porque o Supremo, ou a ministra Cármen Lúcia, não quer decidir. E o que está em questão é nada mais nada menos que o princípio fundamental da presunção da inocência, segundo o qual ninguém será preso antes do trânsito em julgado. Sem que a Constituição fosse reescrita por quem de direito, o STF decidiu por 6 X 5 que a prisão pode ser efetuada após sentença da segunda instância transitada em julgado.

Cármen Lúcia caiu na própria armadilha. A presidente do Supremo poderia ter pautado antes o julgamento, mas se apegou ao argumento que essa era questão já resolvida pelo STF. Resolvida em termos, pois não se transformou em regra a ser seguida por todo o Judiciário. Até porque a maioria obtida na ocasião não foi suficiente para pacificar a Corte Suprema nesse tema. Prova disso são os habeas-corpus já concedidos pelos ministros na contra-mão da decisão. Ignorando os movimentos a seu redor, Cármen Lúcia não só bateu o pé como declarou, em rede nacional, que um novo julgamento seria "apequenar" o STF.

Alguém já disse que o Supremo "são 11 ilhas", na realidade sempre foi assim, mas em geral as desavenças se davam pela doutrina, enquanto nos dias de hoje é evidente a disputa de poder.

Não há duvida que o julgamento que permitiu a prisão após a condenação em segunda instância deu um gás extra à Operação Lava-Jato. Foi essa decisão, por exemplo, que levou o ex-senador e ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado a delatar os comparsas e gravar metade da República, atrás de um acordo mais benéfico. Mas a decisão do Supremo não tem efeito vinculante. O tribunal precisa se pronunciar sobre esse aspecto. Como já disse, não se trata só do ex-presidente Lula - há dezenas de centenas de presos na mesma situação, à espera de uma definição.

O Supremo encastelou-se numa torre de marfim, num mundo onde cada sentença, cada gesto ou palavra de seus ministros têm repercussão ampliada pela televisão e as redes sociais. Não existe dúvida de que a sociedade quer justiça - e até vingança, diante do quadro de impunidade do país. Mas só quem detém o poder originário de mexer na Constituição é o Congresso. Por outro lado, por tudo o que Lula representa politicamente no país, é preciso haver uma definição breve sobre sua situação eleitoral.

Não é pelo fato de ser Lula que o Supremo deve correr com o trâmite. Mas também não é plausível adiar uma decisão só porque a decisão interessa a Lula, com medo de cair na boca do povo. Há uma expectativa de mudança de posições entre os ministros do Supremo, em relação à última votação, mas não há segurança de que a maioria será efetivamente alterada. A protelação, sim, abre as portas para todo tipo de pressão.

À esta altura, difícil deve ser a situação da ministra Rosa Weber, que na votação anterior votou contra a prisão após julgamento sem segunda instância, depois parece ter pensando melhor e por fim emitiu sinais de que poderá rever a sua posição original. A situação agora adquiriu contornos dramáticos. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está bem no meio da sala. Melhor para o Supremo teria sido votar antes de Lula ser condenado a 12 anos e um mês de prisão pela Justiça Federal em Porto Alegre.

A seis meses da eleição, a sucessão presidencial é uma pasmaceira também pela falta de definição sobre o que vai ocorrer com Lula, o líder disparado das pesquisas. Os eleitores de Lula têm o direito de saber o quanto antes se ele será ou não candidato. Seus eventuais adversários também. O fato de julgar se condenados em segunda instância deve ser logo encarcerados ou não apenas vai dar mais clareza a um processo que é questionado pelo PT. Se o STF mantiver o entendimento, Lula é preso e pronto. Se mudar, o ex-presidente vai recorrer em liberdade e seu problema passará a ser a Lei da Ficha Limpa.

Neste caso, também, os ministros da Suprema Corte já andaram montando armadilhas para sim mesmos: quando assumiu a presidência do TSE, o ministro Luiz Fux declarou que a candidatura Lula seria irregistrável, nos termos da lei da ficha limpa. Tudo bem, se não houvesse mais de 20 prefeitos, no momento, em pleno exercício do mandato, enquanto aguardam o resultado de recursos por terem sido classificados de ficha suja. Nesse toada, Lula pode até virar o prisioneiro político que tanto apregoa, por enquanto, sem aceitação geral.

Na semana passada, seis parlamentares do PT, tendo à frente a senadora Gelisi Hoffmann, esperaram o fim de uma sessão do Supremo para falar com a ministra Cármen Lúcia. A própria Gleisi falou que o objetivo do grupo não foi "pedir o voto" de Cármen Lúcia quanto ao mérito da questão, mas para que o assunto fosse colocado em pauta. A ministra, segundo o depoimento das parlamentares, ficou de "considerar". Um movimento legítimo. "Fomos fazer um apelo", conta Gleisi.

A presidente do PT, na realidade, havia telefonado para Cármen Lúcia, algum tempo antes pedindo uma audiência que nunca foi marcada. Ela e outras cinco parlamentares decidiram, então, ir ao Supremo. Esperaram a sessão terminar para interceptar a ministra. Gleisi não entende que tenha pressionado uma ministra do Supremo indevidamente. "Eu próprio recebo diariamente, em meu gabinete do Senado, representantes de todos os setores da sociedade, inclusive gente do Poder Judiciário, e nem por isso me sinto pressionada".

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