- Valor Econômico
Michel Temer inclui 'segurança jurídica' em seus discursos
"Segurança jurídica" é uma variável de risco a ser incorporada nos cenários básico e alternativo em construção para as eleições de outubro. Essa expressão do Direito Constitucional foi de uso frequente em 2002, quando o PT concorria à presidência da República e o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva despertava o temor de que se instalasse o caos no Brasil, inclusive com a ruptura de contratos. A "Carta ao Povo Brasileiro" atenuou essa preocupação. No documento, Lula basicamente se comprometeu em dar continuidade à política econômica do presidente Fernando Henrique Cardoso, que iria concluir o segundo mandato.
Neste 2018, Lula está preso, cumpre pena de 12 anos e 1 mês de detenção e o receio com a adoção de medidas radicais é algo menor ante a barafunda em que se transformou a política partidária no país, com representantes de quase todos os partidos sendo investigados.
Contudo, a corrida eleitoral deste ano, com mais de uma dúzia de pré-candidatos e a demanda do mercado financeiro por um aspirante de centro, ressuscitaram a "segurança jurídica". A expressão é frequente quando negociações são travadas sobre o inventário de medidas que propiciem mais investimentos no país e quando se contesta a prisão de Lula antes de esgotados todos os recursos possíveis para livrá-lo da condenação.
O presidente Michel Temer, advogado constitucionalista de formação, prestigia a "segurança jurídica", incluída na maioria de seus discursos. Em 31 de agosto de 2016, tornou-se presidente efetivo da República, com a chancela do Senado Federal, e, em cadeia de rádio e televisão, revelou aos brasileiros os alicerces sobre os quais pretendia erguer sua gestão: "Eficiência administrativa, retomada do crescimento econômico, geração de emprego, segurança jurídica e ampliação de programas sociais". Temer estava confiante.
Nos dois meses seguintes, em Nova York e Tóquio, conclamou empresários a investirem no Brasil e afirmou que a segurança jurídica e a estabilidade institucional são importantes para um contexto de responsabilidade macroeconômica. "Portanto, quem lá for investir, terá a certeza que opera em um ambiente previsível, seguro e racional", garantiu Temer.
Há menos de duas semanas, a mesma expressão não passou despercebida no Brazil Conference, nos EUA, organizado por estudantes de Harvard e do MIT. Muito aplaudida, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, falou sobre a luta contra a corrupção. Defendeu a colaboração premiada, o acordo de leniência e a prisão em 2ª instância a uma plateia composta por políticos, empresários, juristas e artistas brasileiros.
"Parte dos efeitos que agora sentimos na atuação judicial no Brasil deve-se a essas instituições do sistema de administração da Justiça. Uma polícia mais institucional, um Ministério Público mais independente e juízes mais comprometidos com a aplicação da lei. Mas muito se deve à força da opinião pública. É ela que cobra, que acompanha e quer ver resultados."
Raquel Dodge acrescentou: "Nosso desafio atual é gigantesco, ainda que a missão seja muito clara e muito simples. O nosso desafio é resistir, fortalecendo o Estado de Direito, a aplicação da lei de modo igual para todos com o objetivo de aumentar a segurança jurídica e a ideia que é importantíssima para todo país civilizado: todos somos iguais perante a lei", disse.
A "segurança jurídica" é tratada por célebres juristas em uma vasta bibliografia que, paralelamente à tecnicidade, explica estar a expressão associada aos conceitos de confiança, estabilidade, legalidade, previsibilidade e moralidade.
"A Segurança Jurídica é ao lado, ou abaixo, como preferem alguns juristas, do princípio da Legalidade, um dos pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito. Traduz-se na mínima previsibilidade que a sociedade deve ter sobre determinada matéria disposta no ordenamento jurídico nacional. Embora o Direito seja dinâmico, e novas tecnologias desafiem normatizações modernas e atualizadas, para regulamentar, por exemplo, inovações como aplicativos de hospedagem, transportes, dados, dentre outros, a controvérsia exacerbada de matérias que deveriam estar há muito consolidadas, impacta consideravelmente no desenvolvimento da economia de modo geral" afirma o advogado Mauricio Guímaro Barreto, da Frade & Guímaro Barreto Advogados.
Em março, o Fórum Econômico Mundial dedicou um capítulo do relatório "Brazil Competitiveness and Inclusive Growth Lab Report" à "segurança jurídica" no país. O documento explica que o Brasil tem uma estrutura legal complexa, com diferentes instâncias e departamentos judiciais, tribunais trabalhistas, eleitorais e militares e que os efeitos das decisões judiciais independentes tomadas nos tribunais frequentemente prejudicam o entendimento da legislação aplicável e alteram o arcabouço legal que foi estabelecido para que as empresas prosperem.
"No Brasil existem instituições internas e externas de controle [agências reguladoras] com autonomia para desafiar decisões tomadas pelo governo ou por empresas privadas, caso entendam que determinada regra ou iniciativa não está de acordo com a legislação vigente", diz o Fórum.
Essa ampla insegurança jurídica não se restringe ao Poder Judiciário ou ao Ministério Público Federal. Às vezes, novas regras são criadas pelos poderes legislativo e executivo - pelo Governo Federal, Estados e Municípios - sem a devida consideração aos impactos na competitividade empresarial, diz o relatório, com relação ao possível impacto sobre a competitividade empresarial.
O documento sugere a simplificação dos regulamentos existentes, a análise ex-ante do possível impacto de novas determinações ao setor produtivo, a coordenação entre Estados e Municípios e em diferentes níveis, e avaliações prévias quanto à constitucionalidade dos regulamentos, evitando assim sobrecarregar sistema judiciário. "Esse conjunto de procedimentos contribuiria para a segurança jurídica e para um ambiente de negócios estável e favorável a novos negócios e investimentos", diz o Insight Report.
Nenhum comentário:
Postar um comentário