O enfrentamento da mudança climática deixa as águas turvas da ideologia rumo ao pragmatismo
A reportagem inicial da série Crise do Clima, publicada no domingo (20) nesta Folha, enfocou um proeminente fator de preocupação com o aquecimento global: a elevação do nível dos oceanos. Com efeito, o agravamento da erosão marinha invadiu o rol de inquietações de quem habita regiões costeiras.
As agruras do povo indígena guna, do Panamá, forçado a abandonar algumas das ilhas paradisíacas do arquipélago San Blas, não constituem caso isolado. De Santos à Califórnia ou de Jacarta a Nova York, líderes políticos se desdobram para enfrentar os custos da adaptação à nova realidade.
A interação entre atmosfera e mares é complexa, um pesadelo para modelos de computador com que cientistas predizem, com precisão crescente, o futuro climático.
O oceano absorve boa parte do calor adicionado à atmosfera pelo aumento de gases do efeito estufa, mitigando o aquecimento global. E águas mais quentes afetam as massas de ar que movem o clima planetário, com potencial para alterar a franja de variação em que se desenvolveu a civilização.
Tome-se o exemplo do sistema de circulação do Atlântico, que inclui a corrente do Golfo. Em termos simples, ela transporta calor do sul para o norte, amenizando o clima da Europa; mas estudos publicados há duas semanas indicam que essa colossal correia de transmissão perdeu 15% de sua força.
A prosseguir tal tendência, o continente europeu pode resfriar-se sobremaneira. As pesquisas ganharam destaque no prestigiado periódico científico Nature.
A boa nova do front climático nas últimas semanas também se relaciona com os oceanos. Melhor dizendo, com as emissões de gases do efeito estufa por navios, um raro setor que ainda não se alinhara com as metas do Acordo de Paris (2015): negociadores de vários países concordaram em reduzi-las pela metade até 2050.
Avançam, assim, as tratativas internacionais para limitar a mudança do clima, ainda que não com a velocidade e a ambição necessárias, segundo vários estudiosos. Resta a alternativa de adaptar-se a ela, por exemplo remodelando a infraestrutura urbana para enfrentar erosão, enchentes, invernos mais rigorosos ou ondas de calor.
Nos Estados Unidos, multiplicam-se os processos judiciais em que condados, cidades e estados, Califórnia e Massachusetts à frente, acionam grandes poluidores, como as empresas de petróleo, em busca de ressarcimento pelo ônus da adaptação ao novo cenário.
A maré mudou, e a questão da mudança climática deixou as águas revoltas da controvérsia, mais política do que científica, diga-se, rumo ao campo pragmático das decisões empresariais e judiciais.
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