segunda-feira, 23 de abril de 2018

Marcus André Melo: Ativismo processual

- Folha de S. Paulo

A existência de duas arenas decisórias no Supremo potencializa o ativismo processual e a maioria fabricada

Críticos do STF apontam para suas inconsistências, divisões e instabilidade. Quando o tribunal voltará ao “normal”? Corte dividida não é problema e pode ser solução. Nos EUA , por exemplo, a corte está dividida desde a 2a. Guerra. A tendência é que a divisão se acentue por que com a adoção da Repercussão Geral no STF a pauta conterá mais “casos difíceis”.

A inconsistência (“intransitividade”, no jargão) existe em todo processo de votação com mais de três membros se a escolha envolver três opções. Há decisões que são do tipo “sim ou não” —mas todas as que invocam “princípios” jurídicos admitem modulação.

Inconsistência é sim um problema. Ela pode manifestar-se no plano individual ou do colegiado. No individual, a volatilidade de votos pode resultar de causas variadas, idiossincráticas, de juízes. Mas a inconsistência de votações no colegiado “é inevitável, não importa quanto os juízes possam desconsiderar suas próprias preferências, ou quão cuidadosos sejam ao lidar com suas tarefas ou quão capacitados sejam”. A afirmação é de Frank Easterbrook (Universidade de Chicago), com base na análise de Kenneth Arrow, Nobel de Economia de 1972.

De forma simplificada, a inconsistência (“intransitividade”, no jargão) existe em todo processo de votação com mais de três membros se as preferências admitam uma modulação entre pelo menos três opções. Há decisões que não admitem modulação —são sim ou não—, mas todas as que invocam “princípios” jurídicos o fazem.

A conclusão do autor é que “exigências de consistência perfeita não podem ser satisfeitas , e é um equívoco condenar o desempenho da Suprema Corte como instituição simplesmente apontando que muitas vezes, e mesmo frequentemente, ela se contradiz”.

Como decide o STF à luz da teoria das decisões coletivas? Adota-se regra de unanimidade (em vez de maioria) na qual os ministros detêm o poder de veto individual e apenas decisões consensuais são aprovadas? Não!

Se um ministro for contra uma proposta, ele poderá pedir vista, impedindo sua apreciação caso anteveja uma maioria contra a mesma. E vice-versa se for a favor. A existência de duas arenas decisórias —as duas turmas e o plenário— potencializa o ativismo processual e a maioria “fabricada”.

Instabilidade (não inconsistência) é o principal problema. Há uma regra no STF que a exacerba: a presidência tem poder de agenda, é rotativa entre os juízes e tem mandato curto de dois anos. (Nos EUA, o chief justice é nomeado pelo presidente e é cargo vitalício. John Marshall ficou 34 anos na presidência da corte).

A delegação de poder de agenda aos juízes foi ditada, no passado, por questões de eficiência. Inconsistências sempre existiram e só adquirem visibilidade agora porque o que está em jogo mudou radicalmente em termos de conflitualidade e magnitude.

Só quando a agenda voltar ao normal, o STF conhecido retornará. Com os antigos vícios e as novas virtudes adquiridas na luta contra a impunidade.
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Marcus André Melo é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco e doutor pela Sussex University.

Um comentário:

Unknown disse...

A coluna saiu sem o parágrafo inicial! Se for possivel adiciona-lo aí vai:Críticos do STF apontam para suas inconsistências, divisões e instabilidade. Quando o tribunal voltará ao “normal”? Corte dividida não é problema e pode ser solução. Nos EUA , por exemplo, a corte está dividida desde a 2a. Guerra. A tendência é que a divisão se acentue por que com a adoção da Repercussão Geral no STF a pauta conterá mais “casos difíceis”.