- O Globo
A desigualdade de renda é alta, ficou estagnada em 2017, e a verdade pode ser ainda pior do que as estatísticas mostram. O IBGE tem ampliado o escopo de suas pesquisas, mas é difícil captar toda a disparidade de renda no Brasil, por vários tipos de sub-declaração. Pelos dados, o grupo que está no topo, o 1% mais rico do país, recebe em média R$ 27,2 mil reais ao mês. O número parece subestimado.
A pesquisa capta principalmente a renda do trabalho. Segundo a nota técnica do Instituto, a pesquisa, que é amostral, pergunta ao entrevistado os valores de todas as rendas auferidas: salário, participação nos lucros, tíquete refeição e transporte, remuneração de investimentos financeiros, aposentadorias, pensões, programas sociais e aluguéis. Estudos de concentração de renda baseados em dados tributários são difíceis de serem feitos no Brasil, mas recentemente um grupo de especialistas encontrou números mostrando que a distância é ainda maior. Foi feito pelos professores da UnB Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Ávila Castro e comparava os dados de 2006 a 2012. Quando entrevistei Marcelo Medeiros para o meu livro “História do Futuro" ele definiu essa discussão, de pequena alta ou pequena queda da desigualdade, como sendo um “debate de elevador". Chamou a atenção para a necessidade de ter “uma visão mais ampla sobre o processo de concentração de renda no Brasil".
No quesito desigualdade de renda o Brasil é tradicionalmente um dos primeiros da lista de qualquer classificação internacional que se faça. Isso foi de novo ressaltado ontem por Cimar Azeredo do IBGE, responsável pelas pesquisas de trabalho e renda. Há muitas formas pelas quais o país cria distâncias sociais. E o problema se desdobra em todas as outras desigualdades: regionais, de gênero, de cor e de nível de escolaridade. O retrato que o IBGE nos traz, de vez em quando, deveria acordar o país para este debate sobre as raízes mais profundas da nossa disparidade de renda, porque ela é crônica e persistente. E há também as razões conjunturais criadas pelos abalos que atingiram a economia nos anos recentes.
A crise afeta desigualmente a população de um país desigual como é o Brasil. Quando a inflação sobe, os pobres perdem mais capacidade de compra, quando a recessão se aprofunda, ela atinge mais quem tem menos proteção contra ela e é na base que o desemprego é mais vasto. Isso é que explica os dados divulgados ontem pelo IBGE.
No ano passado, apesar da queda da inflação e da saída da recessão, a desigualdade ficou estagnada e chegou a aumentar no Norte e Nordeste. Isso não significa que o recuo do IPCA e a superação do pior momento recessivo não tenham tido efeito positivo. Claro que tiveram, até porque a queda da inflação foi resultado principalmente da redução do custo da cesta de alimentos, justamente o item que mais pesa no orçamento das famílias pobres. Mas o desemprego continuou aumentando e chegou ao ponto máximo ao fim do primeiro trimestre do ano passado. E ele foi devastador entre os mais pobres. Um dado mostra isso: a renda do trabalho caiu 1,36%, a renda do trabalho entre os 50% mais pobres recuou 2,45%.
Um dado parece bom e não é. No Sudeste caiu o índice Gini de 2016 para 2017. Isso significa que a região foi a única onde houve queda da desigualdade. Mas isso foi, explica Cimar Azeredo, pela crise que atingiu os estados do Sudeste, principalmente o Rio, e que reduziu a renda dos mais ricos.
Dizer que a parcela que representa o 1% mais rico da população tem um rendimento 36 vezes maior do que a renda média de 50% da população, que ganha menos, é apenas um número a mais mostrando o tamanho do nosso fosso social. E ele pode estar subestimado. Na verdade, o mais importante é entender que o Brasil, que sonhou que poderia ir melhorando aos poucos esse velho problema, foi atingido por uma crise, desde 2014, que revogou todos esses microavanços. Esse é um debate que ainda está por ser feito no Brasil. E quando for, será possível ver todas as formas pelas quais sai, até dos cofres públicos, mais renda para os que estão no topo da pirâmide.
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