Os efeitos de uma brutal recessão e duas ótimas safras jogaram a inflação para baixo com intensidade que pode ser comparada, pontualmente, ao bem sucedido plano de estabilização do real. O IPCA surpreendeu de novo em março e o primeiro trimestre do ano registra variação de 0,76%, a mais baixa pelo menos desde julho de 1994. O drama do Banco Central desde a implantação do regime de metas da inflação foi impedir que ela escapasse do teto da banda, mas já em 2017, pela primeira vez, ela mergulhou abaixo do piso, onde se mantém há nada menos que 9 meses. Em março, a variação em 12 meses recuou para 2,68%. A débil recuperação das atividades econômicas é o maior obstáculo a reajustes de preços mais significativos.
A oferta de alimentos provocou queda bem maior do que a esperada nos índices de preços. Em 12 meses encerrados em março ainda há deflação de 1,64%. A média esconde reduções bem maiores, especialmente nos principais ingredientes das refeições diárias dos brasileiros: arroz (-11,39%), feijão (-29,7%), frango (-7,94%), carnes (-2,44%), óleo (-16,3%) e queijo (-2,2%).
O peso baixista dos alimentos foi sentido com mais força entre os que têm renda mensal de até 5 salários mínimos. O INPC em 12 meses está mais de um ponto abaixo do IPCA, ou 1,56%. Oito das 12 regiões metropolitanas objeto da coleta tiveram no período variação desses preços abaixo disso. E, em março, pelo menos seis capitais apresentaram deflação nos preços da comida.
À abundância de alimentos se acrescentou uma demanda ainda muito contida, que se exprime também na variação dos preços dos serviços. Antes da recessão, e até mesmo durante, os preços no setor rodavam a um ritmo acima de 8%. Eles vem desinchando há 12 meses consecutivos e apresentam alta de 3,94%, ainda acima do IPCA, mas cadentes de qualquer forma. Em março, avançaram 0,08%.
Como boa parte dos serviços é movida por aumento de salários, em especial pelo salário mínimo, seus preços arrefeceram com a ausência de aumento real do mínimo nos últimos anos e com o grande aumento do desemprego, que começou a refluir recentemente e de forma lenta. Esses preços são um termômetro indireto do grau de aquecimento da economia. A baixa temperatura dos preços dos serviços, que movem dois terços do PIB, indica que a retomada, como se esperava, não será rápida nem exuberante.
Esse comportamento sinaliza também que o "espelho" dos serviços pelo lado da demanda, o consumo das famílias, com peso quase idêntico na formação do PIB, também caminha devagar. A queda dos alimentos deu importantes ganhos salariais à maioria dos empregados, mas outros fatores contribuem para a cautela nas compras, como o endividamento passado, a incerteza sobre a manutenção do emprego, os juros ainda muito altos na ponta de um crediário que cresce, mas é bem mais restrito que no período que antecedeu a recessão.
Os preços monitorados, que afetam quase um terço do IPCA, evoluíram 7,05% nos 12 meses findos em março. Eles sofreram forte influência residual da descompressão de preços da gasolina, represada no governo anterior, do gás de cozinha e dos frequentes aumentos do custo da energia - que, neste caso, vão se intensificar no ano.
O cenário é mais que favorável, como o Banco Central anteviu, para a continuidade do ciclo de corte nas taxas de juros. O peso da inércia, até que a economia volte a crescer acima de seu potencial, joga a favor da contenção do IPCA. Analistas estimam que pressões inflacionárias decorrentes da proximidade do limite de crescimento somente aparecerão em 2019 ou um pouco antes. Até 2017, a inflação ficou muito perto do teto da banda (6,5%) ou a ultrapassou e ainda é cedo demais para afiançar que ela passa por uma redução estrutural.
Um dos fatos positivos, além de os fundamentos econômicos garantirem base para a expansão econômica, é que o BC está disposto a testar pisos históricos da taxa Selic. Em maio, já é dado como certo um corte de 0,25 ponto percentual. A "surpresa" inflacionária (diferença entre o que o BC projetou e o que ocorreu), foi de -0,64 ponto no trimestre encerrado em fevereiro, e cresceu em março. Mais surpresas levarão o BC a considerar pelo menos mais uma redução do juro.
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