- O Estado de S.Paulo
Será que se percebe que a crise em que estamos é resultado do apego a ideias equivocadas?
Lula preso deveria ser página virada na história política do País, mas temo que não seja. É óbvio que a prisão do principal chefe populista brasileiro em mais de meio século virou símbolo de enorme relevância numa esfera, a da política, que vive de símbolos. Não é pouca coisa ver atrás das grades um poderoso e rico, como Lula. Também não se pode ignorar o efeito para a autoestima de enorme parcela da população da noção do fim da impunidade. Um homem que nunca demonstrou grandeza exibiu-se apequenado e raivoso ao ser preso em meio a seguidores da seita que ainda conduz. Contudo, não é o destino do indivíduo aqui o mais relevante.
Ironicamente, Lula foi condenado e inicialmente preso por crime incomparavelmente menor em relação aos que cometeu, e não considero como pior deles o formidável aparato de corrupção que presidiu com a alegre colaboração de elites sindicais, acadêmicas, empresariais e o corporativismo público e privado. Apequenar o Brasil lá fora, diminuindo nosso peso específico, destruir o tecido de instituições (começando pelo da Presidência), fazer a apologia da ignorância e decretar o atraso no desenvolvimento econômico compõem pesada conta que mal começou a ser paga. O Brasil teve o azar de abraçar o lulopetismo na curva de subida de um benéfico superciclo global de commodities que não se repetirá por muito tempo.
Em outras palavras, a pior e imperdoável obra lulista foi ter desperdiçado uma (única?) oportunidade de livrar o País rapidamente de desigualdade e injustiça sociais.
A prisão de Lula, paradoxalmente, não parece estar aprofundando entre nós o debate em torno dos eixos que seriam essenciais para recuperar o País em prazo mais dilatado – digamos, a próxima geração. Será que, além dos erros de conduta do indivíduo Lula, percebe-se que a crise em que estamos (começando pela econômica) é resultado do apego a ideias completamente equivocadas? O ímpeto de punir aumentou e, junto dele, consolida-se a perigosa noção de que vale tudo para pôr rápido na cadeia quem for denunciado – claro, diante da ineficiência da Justiça não chega a ser tão espantosa assim a evolução dessa mentalidade punitiva. Estamos na fase de mandar às favas os princípios (o verbo mais usado é outro, impublicável), contanto que o safado esteja preso. Porém, temo ter de afirmar que já caímos na armadilha, começando pelas elites pensantes, de acreditar ingenuamente que lavando a jato corruptos o sistema político volta a funcionar.
Não parece ter ganhado ainda sentido e direção claros essa onda de descontentamento e indignação que encurralou a política e agora fracionou perigosamente o Judiciário – que de fato manda hoje na política, por meio de figuras populares que não foram eleitas. Primeiras instâncias do Judiciário, por exemplo, pegaram o gosto de sangue e emparedam instâncias superiores pela atuação política em redes sociais e mídia. Por sua vez, as instâncias superiores estão profundamente divididas e renderam-se ao hábito de falar dentro e fora do plenário do STF para o que consideram que sejam suas audiências prediletas. Nesse quadro fluido e volátil não consigo identificar um Estado-Maior ou Central da Conspiração (muito menos das Forças Armadas).
No plano geral da política hoje não há quem puxe, só há empurrados. Por um fluxo que pede “mudança” sem apontar qual (fora o anseio, legítimo e correto, pelo impecável ficha-limpa). Falta algo importante ainda para que o encarceramento do populista sem caráter corresponda a uma página de histórica virada. Meu receio é de que a prisão de Lula acabe surgindo como grande evento que, na percepção do dia a dia, não se revela tão grande assim. Nesse sentido, vale a pena citar o que ele disse ao discursar para integrantes da seita no dia da prisão, quando declarou ser ele mesmo “uma ideia”. É ela que nos atrasou e conduziu à beira do abismo. Precisa ser derrotada, e ainda não foi.
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