O Banco Central saiu a campo para fechar as brechas que a surpresa de manter a taxa de juros em 6,5% causou em sua reputação e tentar desfazer várias conclusões dos investidores sobre sua decisão. A rápida desvalorização do real, uma das razões para a mudança para pior no balanço de riscos, criou dúvidas sobre os próximos passos da política monetária e alargou ainda mais o fosso entre as taxas curtas e longas do mercado. A ata da reunião divulgada ontem deixou claro que "pode haver impactos do choque externo na economia brasileira", mas que "a política monetária não reagirá a esses impactos de forma automática".
Os investidores, diante da decisão do Banco Central, passaram a calcular que, prosseguindo a valorização do dólar, o que deve ocorrer, o próximo passo do BC seria antecipar bastante, para breve, um ciclo de alta de juros. A ata do Copom e a entrevista do presidente da instituição, Ilan Goldfajn, sepultam essa interpretação, ao afirmar que a conjuntura, de fraqueza da economia e inflação abaixo da meta, continua prescrevendo "política monetária estimulativa", com taxas de juros abaixo da taxa estrutural. Esta sinalização se manterá pelas próximas reuniões do Copom.
A mudança de atitude da autoridade monetária ocorreu em meio a uma forte pressão sobre o real, o que amalgamou dois problemas que poderiam ser tratados separadamente. A comunicação do BC antes da reunião do Copom foi praticamente unívoca na direção de mais uma redução da Selic e interrupção do ciclo de baixas. E a manutenção da Selic, passo imprevisto para a maioria dos investidores, uniu-se à desconfiança de que o BC estava sendo tíbio em suas intervenções no mercado de câmbio, ao deixar a desvalorização de importante magnitude correr solta por mais tempo do que o recomendável. No dia seguinte ao encontro do Copom a desvalorização do real se acelerou, até finalmente iniciar o movimento no caminho inverso depois do BC triplicar a oferta de contratos de swap cambial na segunda-feira.
A ata explicitou um dilema não incomum na comunicação dos BCs em momentos de turbulências, quando têm de optar entre ser coerente com a orientação prévia divulgada ou fazer o que acha que tem de ser feito, vivido na última reunião. "Prevaleceu o entendimento de que focar na melhor decisão possível dado o conjunto de informações disponíveis no momento resulta, ao longo do tempo, em maior credibilidade para a política monetária", afirma a ata. Os investidores reconheceram que a decisão do BC foi a correta, mas que houve falha na comunicação, que deixará sequelas e teve custos. O salto nas taxas longas de juros, que agora estão recuando, pode ter impactos contracionistas na atividade, que já fraqueja. Alguns analistas estranharam também a unanimidade da decisão e indagaram sobre o modelo que o BC estaria usando para avaliar o "pass through" cambial.
Mais do que o passado, importa a tendência futura. A valorização do dólar tende a prosseguir, e não apenas, ou principalmente, devido ao aumento dos juros. Segundo o ex-diretor do BC, Afonso Celso Pastore, da Pastore Associados, fortalece o dólar o diferencial de crescimento, com os EUA em ritmo de expansão bem superior ao da Europa, acima de seu potencial e com hiato do produto positivo. Apesar disso, vários analistas não acreditam que uma alta dos juros no Brasil esteja próxima, pois há folga expressiva na inflação, ainda muito longe da meta e grande capacidade ociosa na economia. Afonso Bevilaqua, ex-diretor do BC, calcula, usando modelos do BC, que é possível suportar mais 20% de desvalorização sem que seja necessário elevar a taxa Selic neste ano. A situação muda se o período eleitoral causar um estrago maior do que esse na taxa de câmbio.
De várias formas, a valorização do dólar conspira contra a recuperação da economia. O golpe mais forte, o de que a política monetária deixe de ser estimulativa, com aumento de juros, não é uma fatalidade. Mas as incertezas eleitorais, que não jogaram ainda papel relevante, vão entrar em cena. Nessas circunstâncias, o BC terá de agir como refém das expectativas - que se nutrem da péssima situação fiscal e da ausência de reformas - sobre as quais o BC, que já fez muito, nada poderá fazer, exceto pisar no freio.
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