- Folha de S. Paulo
O pré-candidato fez dois lances que, se derem certo, podem lhe dar a Presidência
Até o momento, nenhum candidato nas eleições presidenciais de 2018 jogou tão bem com as cartas que tinha na mão quanto Ciro Gomes.
As cartas que recebeu da sorte eram, diga-se, bem ruins. Se Lula fosse candidato, Ciro entraria na disputa como nanico. Seu partido não é grande o suficiente para lhe oferecer muita coisa em termos de tempo de TV ou dinheiro do fundo partidário.
E, no entanto, desde o início do ano, Ciro tem dado sorte, e tem sabido aproveitá-la.
Sua campanha começou, efetivamente, quando Lula foi preso. A maior parte do legado de Lula ainda está em disputa, mas Ciro conseguiu atrair lulistas suficientes para empatar tecnicamente com Alckmin no segundo pelotão, logo depois de Bolsonaro e Marina.
Pouco depois, foi um dos beneficiados pela desistência de Joaquim Barbosa, um candidato de temperamento semelhante que também concorreria pela centro-esquerda.
E Ciro fez duas jogadas que, se derem certo, podem lhe dar a presidência.
A primeira foi manter distância do discurso petista contra a Lava Jato. Ciro não tem contra si acusações de corrupção. Em 2018, depois da Lava Jato, é uma tremenda vantagem, talvez a única carta boa que Ciro tinha desde o início. Se Ciro comprar o discurso “a Lava Jato é uma mentira”, está abdicando dessa vantagem. Por que faria isso? Lula jamais faria, se estivesse na mesma situação.
Enquanto isso, Ciro espera que os apoios petistas venham naturalmente. Os governadores petistas vêm namorando o pedetista. A última coisa que desejam, no momento, é ir para o martírio em protesto contra a prisão do ex-presidente Lula. Precisam fazer alianças, precisam ter candidato a presidente, e Ciro parece uma alternativa razoável.
Essa aproximação também é importante por outro motivo: o discurso atual do PT é bastante radical, e muito incentivado pelos candidatos a deputado petistas. Os governadores não têm o menor interesse nisso, e, em suas administrações, têm feito ajustes fiscais significativos. Se a disputa entre parlamentares e governadores petistas se acirrar, Ciro pode sair ganhando.
Por outro lado, Ciro já declarou que não fará aliança com o PMDB. Nós aqui, eu, você, lemos isso como “Opa, aqueles picaretas todos do Temer vão sair do governo!”.
Mas os picaretas do baixo clero (PP, Solidariedade, etc.) ouvem isso e pensam: “Opa, aqueles cargos todos que estão com o PMDB podem vir pra gente!”.
Talvez Ciro não lhes deixe roubar, mas o Centrão se pergunta se não vale a pena testar isso. Também se pergunta a mesma coisa com relação a Bolsonaro.
O fato é que, ao contrário de Marina, Ciro tem disposição para negociar com os partidos políticos tradicionais brasileiros, que devem manter sua maioria no Congresso no ano que vem.
Tudo isso pode dar errado, e Ciro pode ficar pelo caminho. Se os governadores petistas ameaçarem romper com o PT, Lula vai ter que mudar sua estratégia. Alckmin e/ou Temer devem ter meios para pressionar o Centrão.
Mas persiste o fato: na turma da frente, só Bolsonaro, Marina e Ciro estão fora da Lava Jato. E, entre esses, só Ciro Gomes está jogando como profissional. O que ainda não sabemos é o quanto isso vale em 2018, quando o ceticismo popular com relação ao próprio jogo é intenso. Duvido que não valha nada.
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Celso Rocha de Barros, doutor em sociologia pela Universidade de Oxford.
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