- Folha de S. Paulo
Para eleitor, o desempenho pregresso não importa, apenas o do semestre anterior ao pleito
Há mais coisas em comum entre política e colonoscopia do que o leitor imagina. Em estudos experimentais sobre a memória, Daniel Kahneman, Nobel de Economia de 2002, mostrou como ela é enviesada para experiências recentes.
Os pacientes de colonoscopia que investigou só se lembram de seus momentos finais. E concluiu à Maquiavel: “Se o final for melhor, mais dor pode ser preferível a menos dor”.
O mesmo vale para eleitores, segundo Larry Bartels, cientista político da Vanderbilt University (EUA). A memória dos eleitores é curta. O eleitorado premia ou pune governantes pelo desempenho da economia no semestre anterior às eleições: o desempenho pregresso não importa.
O autor examinou as eleições presidenciais nos EUA em um período de quase 70 anos (1948 e 2012) e estimou o efeito da taxa de crescimento da renda, por trimestre do mandato, sobre a margem de vitória dos candidatos.
Esse efeito é nulo nos primeiros trimestres, discreto no meio do mandatos e significativo nos dois últimos: cada aumento de um ponto percentual na taxa de crescimento da renda nesse período corresponde a um incremento na margem de vitória de 6%.
Esse achado poderia ancorar expectativas que uma miraculosa melhoria da economia poderia aumentar as chances de candidatos do governo nas eleições deste ano. Essas eram certamente as expectativas do presidente Temer ou mesmo de Meirelles. No entanto, esse raciocínio não se aplica (para além do fato de que tal melhoria já poder ser descartada) porque o governo atual é provisório.
O efeito causal da economia é mediado por incumbentes e não há incumbentes para serem punidos ou premiados: Temer é uma espécie de não-incumbente.
Políticas que levam à reversão de trajetória explosiva ou reformas cruciais não importam para o eleitor médio. Apenas seu impacto interessa. Se efetivo, alavancam incumbentes viáveis, mas são incapazes de levantar cadáveres políticos.
É claro que a inviabilidade poderia resultar de catástrofe econômica, mas no nosso caso resulta de outros fatores: o MDB não tem —nunca teve— candidatos competitivos e Temer tem popularidade pífia.
É certo que importa menos o impacto da economia sobre o núcleo duro de eleitores dos partidos do que sobre a massa dos voláteis. A memória curta arrefecerá o impacto da hecatombe produzida pelo governo Dilma, obscurecendo a clareza de responsabilidade pela crise.
Mas se a economia influirá menos, a corrupção poderá importar mais. E, se a punição aos desmandos é o momento derradeiro no processo da corrupção, ela será bem lembrada pelos eleitores. Como acontece com a colonoscopia.
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Marcus André Melo é professor de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco e doutor pela Sussex University.
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