A menos de cinco meses da eleição, o radicalismo e não a esperada pacificação ameaça tomar conta da campanha presidencial. Em vez de ser combatido com firmeza, o discurso rancoroso e irresponsável do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) começa a ser assimilado até por lideranças situadas mais ao centro do espectro político, das quais se espera moderação e equilíbrio para conduzir o país de volta à normalidade política.
Um exemplo dessa atitude foi dada pelo pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin. Na última quinta-feira, o ex-governador de São Paulo acenou com a possibilidade de armar a população rural, caso seja eleito presidente em outubro, numa clara tentativa de seduzir os eleitores de Bolsonaro, hoje o líder das pesquisas eleitorais, na ausência do ex-presidente Lula da Silva.
Se eleito, o ex-capitão do Exército promete dar um fuzil para cada agricultor.
O movimento de Alckmin insinua desespero. Em baixa nas pesquisas, questionado no PSDB, o ex-governador não hesita em lançar mão do discurso do adversário de ocasião, esquecendo-se de que em 2016 movimentava-se na direção oposta, tentando atrair lideranças do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
À época Alckmin disputava a candidatura do PSDB com o senador Aécio Neves e pareceu conveniente a seus estrategistas uma aproximação à esquerda, apesar de o radicalismo do MST em nada combinar com o então governador de São Paulo.
Discurso oportunista é mercadoria comum nas campanhas eleitorais. Em geral costuma cobrar um preço alto. Exemplo recente é o da ex-presidente Dilma Rousseff, autora do maior estelionato eleitoral da história recente do país, depois de Fernando Collor. A demagogia dos candidatos que prometem mundos e fundos em troca de votos é uma praga da política nacional. Mas o que assusta os brasileiros agora é o discurso do ódio e da violência prosperar sem ser corrigido com firmeza e convicção, já que a ausência de segurança é um problema real, que exige uma solução racional e de longo prazo, que não será resolvida com populismos.
O próprio Bolsonaro não perde oportunidade para tratar com banalidade a violência política. Não é preciso ir longe. Recentemente, o professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, Matias Spektor, divulgou um documento secreto da CIA, a central de inteligência do governo americano, segundo o qual a execução de opositores foi política de Estado, no Brasil, durante o governo dos generais. Sem exceção. Nem mesmo no de Ernesto Geisel (1974-1979), o presidente que acabou com a anarquia nos quartéis e preparou a retirada dos militares da política. Ditadura é ditadura. Não existe o bom ditador.
E qual foi a reação de Bolsonaro? Primeiro, a do político esperto, ao insinuar que o documento apareceu justamente no momento em que um "capitão pode chegar lá", ou seja, tudo não passaria de uma conspiração para prejudicá-lo. O pior ainda estaria por vir. Na continuidade da entrevista, Bolsonaro teve a desfaçatez de comparar o assassinato de adversários políticos à reprimenda de um pai à traquinagem de um filho: "Quem nunca deu um tapa no bumbum do filho e depois se arrependeu? Acontece."
Para Bolsonaro, ou "a gente [as Forças Armadas] botava para quebrar ou o Brasil estava perdido". Não é de estranhar. Não há como esquecer que ele dedicou a um notório inquisidor dos porões da ditadura o voto que deu a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. E ficou por isso mesmo. O deputado nem sequer recebeu uma censura dos órgãos encarregados de zelar pelo decoro parlamentar na Câmara dos Deputados.
A liberdade de expressão, atacada de maneira feroz na ditadura, permite que Bolsonaro diga a leviandade que bem entender. Difícil é entender que elas sejam encaradas com naturalidade, sem um questionamento firme. Nem os militares hoje na ativa rezam mais por essa cartilha. A questão da (in) segurança mobiliza efetivamente a Nação, mais de 70% da população, segundo as pesquisas. Mas certamente há outras abordagens para tratar do problema do que mais violência.
A situação requer coragem dos candidatos e não a pura e simples rendição ao discurso de fácil apelo eleitoral, mas de resultado previsível.
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