quinta-feira, 24 de maio de 2018

Luiz Carlos Azedo: Quando o mercado não resolve

- Correio Braziliense

A greve dos caminhoneiros tem um componente externo, a alta do dólar e seu impacto nos preços do petróleo, e outro interno, a crise política e ética, que fragilizou muito o governo

A greve dos caminhoneiros — na verdade, um grande locaute das empresas de transportes e distribuidoras, muito mais do que apenas dos avulsos — pegou o governo de calça curta. Em três dias, pôs em colapso o abastecimento de combustível, com grande especulação de preços nos postos de gasolina, e parte da frota de ônibus de transporte urbano nas garagens das principais cidades do país. Particularmente grave, ontem, foi o desabastecimento dos aeroportos, sem querosene para os aviões em alguns estados e no Distrito Federal. No começo da noite, o presidente de Petrobras, Pedro Parente, anunciou a redução de 10% no preço do diesel, por 15 dias, para que possa haver uma negociação entre as partes envolvidas.

Parente é apontado como o grande pivô da crise, por causa da política de preços da Petrobras, que acompanha o mercado internacional, dolarizado. Na entrevista coletiva de ontem, afirmou que a iniciativa de reduzir o preço do diesel foi da diretoria da empresa, diante do caos no sistema de transportes do país, mas garantiu que a política de preços da estatal não será alterada. O fato é que o mercado não foi capaz de se regular no setor; o impacto na política de preços gerou uma crise grave, que tensiona as relações da Petrobras com o governo e não terá uma solução técnica desvinculada de ampla negociação política. Um fator de desestabilização do governo às vésperas do processo eleitoral.

O presidente da Petrobras, porém, é um experiente executivo do setor público e sabe como a banda toca nessas horas. O recuo tático dele foi providencial, porque a primeira cabeça a rolar na crise seria a dele; e, com isso, todo o esforço para pôr a Petrobras nos eixos poderia ir por água abaixo. A paralisação é nacional, a própria Petrobras foi duramente atingida, pois o bloqueio das estradas e da saída de caminhões-tanque das refinarias já ameaçam a própria produção da empresa, que será interrompida se a greve continuar. Segundo a Petrobras, o preço do diesel deve cair 1,54% nas refinarias. A Agência Nacional do Petróleo, do Gás Natural e dos Biocombustíveis (ANP) avalia que o preço médio do diesel nas bombas já acumula alta de cerca de 8% no ano, ou seja, muito acima da inflação acumulada no período, de 0,92%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Nas negociações com os caminhoneiros, conduzidas pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, não se chegou a uma solução razoável. As medidas adotadas pelo governo, inicialmente para reduzir o preço do diesel, no qual os impostos representam 50%, não foram suficientes para baixar os valores na bomba. O governo precisa de contrapartidas no Orçamento da União para deixar de coletar os tributos federais; a parte do leão dos impostos cobrados, porém, corresponde aos governos estaduais, por causa do ICMS. É preciso um acordo com os governadores, o que toma tempo.

Apesar de enfraquecido, o governo negocia com um porrete na mão, pois o juiz Marcelo Pinheiro, da 16ª Vara Federal do Distrito Federal, concedeu reintegração de posse de seis rodovias federais (BR-040, BR-050, BR-060, BR-070, BR-080 e BR-251) bloqueadas pelos caminhoneiros. Determinou a imediata liberação do tráfego, autorizando “medidas indispensáveis ao resguardo da ordem e, principalmente, para segurança das pessoas afetadas com o movimento paredista”. Pinheiro autorizou o uso de força policial “para assegurar que, durante a intimação dos requeridos e desobstrução das rodovias, não sejam praticados atos ilícitos ou depredatórios”. A ação foi impetrada pela União contra a Associação Brasileira de Caminhoneiros (Abcam).

Sem apoio
Conciliador, o presidente Michel Temer pediu “trégua” de dois ou três dias aos caminhoneiros para encontrar uma “solução satisfatória” sobre o preço dos combustíveis, segundo ele próprio anunciou numa solenidade no Palácio do Planalto, ao mesmo tempo em que Padilha negociava com os grevistas. “Desde domingo, estamos trabalhando nesse tema para dar tranquilidade não só ao brasileiro, que não quer ver paralisado o abastecimento, e tentando encontrar uma solução que facilite a vida dos caminhoneiros”, afirmou. O problema é que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não está nem aí para as dificuldades do governo. Em entrevista, desmentiu que a reoneração da folha de pagamento, aprovada pela Casa, venha a ser utilizada na composição do acordo com os caminhoneiros. De quebra, retirou de pauta a privatização da Eletrobras, provocando forte queda na Bolsa de Valores de São Paulo. Maia é pré-candidato a presidente da República.

A greve tem um componente externo, a alta do dólar e seu impacto nos preços do petróleo, e outro interno, a crise política e ética, que fragilizou muito o governo e gera insegurança por causa da imprevisibilidade dos resultados eleitorais. Há um conflito distributivo que o governo não tem força para gerenciar sem apoio do Congresso que, por sua vez, está agindo irresponsavelmente. Na noite de ontem, por exemplo, no Senado, por muito pouco uma emenda jabuti na medida provisória que permite a venda direta de petróleo do pré-sal (MPV 811/2017) não comprometeu os leilões do pré-sal que estão marcados. Antes da MP, a lei de criação da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA — Lei 12.304/2010) permitia apenas a contratação de agentes de comercialização para vender o petróleo da União. Com a MP, fica permitido à PPSA realizar diretamente a venda da parte de óleo devida à União na exploração de campos da bacia do pré-sal com base no regime de partilha.

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