- O Estado de S.Paulo
Investimento em inteligência, informação e planejamento é a resposta ao crime
Os elevados índices de criminalidade são uma das maiores preocupações atuais dos brasileiros. Embora a sensação de insegurança não se esgote na efetiva prevalência dos delitos – um importante fator psicossocial também influencia na percepção da violência –, é inegável que o problema é gravíssimo. No caso dos homicídios, a média brasileira se aproxima de 30 mortes ao ano por 100 mil habitantes, três vezes o limite aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera epidêmicos níveis superiores a 10 por 100 mil habitantes/ano.
Preocupam o poder do crime organizado e a extrema violência e audácia dos criminosos. Não é por menos que, em 2016, 437 policiais foram assassinados no Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No Estado do Rio de Janeiro, no mesmo ano, foram mortos 2,3 policiais por mil, um índice inaceitável sob qualquer perspectiva. Recentemente tivemos o episódio de um ataque a mães e alunos de uma escola de crianças, em Suzano, que, felizmente, não teve mortos e feridos entre as vítimas. Culminou com a morte do agressor.
De fato, o problema da segurança vem se revelando um desafio à própria democracia no Brasil. Na esteira do recrudescimento da violência cresce a tentação de ideias de cunho autoritário, que propagam a falsa noção de que existiria incompatibilidade entre a repressão ao crime e as garantias individuais – o mais fundamental pressuposto do Estado Democrático.
Para complicar ainda mais, setores da esquerda, embora minoritários, ainda mantêm resquícios das confusas elucubrações marcusianas dos anos 60 e 70, que viam a criminalidade como uma variante da luta de classes e, espantosamente, um repositório de virtudes emancipatórias. Felizmente, também na esquerda o crime é cada vez mais visto como o que realmente é: uma expressão da barbárie, uma ameaça à vida e à civilização.
Nunca é demais lembrar que no Brasil e na América Latina as grandes vítimas da criminalidade são os mais pobres, que habitam as regiões mais violentas e são oprimidos por traficantes e milicianos. Na maioria, as vítimas de assassinatos são jovens negros.
Coibir o crime e combater a criminalidade devem ser prioridade absoluta, principalmente porque a redução drástica da criminalidade, em curto prazo, será uma das conquistas mais desejadas pelos setores mais pobres e desprotegidos da nossa população.
Nessa área é preciso ter a coragem de enfrentar preconceitos mal informados. Até por que, se nós não enfrentarmos esses dilemas, essas demandas se transformarão cada vez mais em bandeira dos extremistas.
Outra frente importante de ação na segurança pública é o combate duro e inflexível ao crime organizado – não com populismo nem desrespeitando os direitos humanos, mas investindo maciçamente em inteligência e tecnologia. Basta lembrar que as facções conseguem manter suas redes de comando e hierarquia em livre comunicação dentro e fora dos presídios.
Os instrumentos legais hoje disponíveis são insuficientes para combater o crime organizado em sua complexa configuração atual. O Congresso deu um passo importante para superar essa situação. O Senado acaba de aprovar o Projeto de Lei da Câmara n.º 19, de 2018, que cria o Sistema Único de Segurança Pública, com clara inspiração no Sistema Único de Saúde (SUS).
O diagnóstico que levou à aprovação desse projeto é exatamente o de que o combate ao crime organizado se faz com o uso de inteligência, o compartilhamento de informações e o aprofundamento da cooperação e da coordenação entre os vários órgãos de segurança pública, nos três níveis da Federação. O crime sofisticou-se, organizou-se e criou redes hierárquicas nacionais – em alguns casos, até com ramificações internacionais. A resposta do Estado para derrotá-lo é investir em inteligência, informação e planejamento.
O projeto cria condições para atingir esses objetivos, principalmente pela previsão de planos nacionais de segurança pública e defesa social, que estabelecerão as estratégias coordenadas, as metas, os indicadores e as ações para o alcance desses objetivos.
Por questões históricas, nossas forças de segurança subnacionais não têm uma coordenação central, mesmo nos Estados, pois são organizadas em Polícias Militares e Polícias Civis. Isso sem contar outros órgãos de segurança pública, como as guardas municipais e o sistema de administração prisional.
Bancos de dados nacionais, incluindo informações cruciais para elucidação de crimes, como os de material genético e de rastreabilidade de armas e munições, serão estabelecidos e vão operar segundo regras estritas de segurança, confiabilidade e garantia de privacidade dos cidadãos.
Além da coordenação das ações e do compartilhamento de informações e dados, a proposta cria mecanismos de avaliação das forças de segurança, para mensurar objetivamente sua eficiência. Isso tornará possível a correção de rumos e a aplicação mais racional dos recursos. Se não forem eficientes, os órgãos públicos não serão capazes de garantir à população a segurança que merece e é obrigação fundamental do Estado.
A nova lei é suficiente? Claro que não. Um problema tão grave não se resolve com uma só medida, ainda mais de cunho legislativo. O investimento na segurança deve aumentar, o que não é fácil em meio às atuais restrições fiscais. A grande deficiência que vejo hoje no combate ao crime é a débil vigilância de nossas fronteiras. Se não fecharmos os circuitos de entrada e distribuição de armas, drogas e mercadorias contrabandeadas, o combate local continuará uma penosa e inútil operação de enxugar gelo.
Finalmente, deve-se dar especial atenção aos circuitos financeiros ilegais que alimentam o poder do crime organizado. Se não cortarmos esse oxigênio, o monstro continuará respirando.
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*Senador (PSDB-SP)
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