quinta-feira, 24 de maio de 2018

Vinicius Torres Freire: Batida de caminhão na crise nacional

- Folha de S. Paulo

Tumulto detonado pelo preço de combustíveis é um laboratório do que está por vir

Bastou uma greve de caminhoneiros de três dias para que ficasse explícito o emaranhado de crises brasileiras.

É um laboratório do que está por vir em 2019, ano em que começa o conflito aberto em um país de cobertores curtos e de reis nus, de lideranças políticas com vergonhas expostas.

Um conflito que seria de natureza privada, no fundo, imediatamente explodiu no colo de um governo falido. A reação da elite política à crise ressaltou seu oportunismo limítrofe.

Caminhoneiros e transportadores em geral se queixam no fundo de que não conseguem repassar o aumento do custo de combustíveis, do diesel, para seus preços, os fretes. Por quê?

Além de problemas nos contratos do setor, persiste um problema evidente desde 2015: há caminhoneiros e caminhões sobrando. Houve superinvestimento em capital, facilitado pelo crédito subsidiado no governo anterior, problema agravado por, vejam só, melhorias logísticas.

Em conversas informais, caminhoneiros dizem que está duro negociar aumento de frete, que indústria, agropecuaristas e empresas negociantes de commodities alegam que a crise estreitou as margens delas também.

O aumento rápido e imprevisível de custos, devido à nova política de preços da Petrobras, agrava o problema, decerto. A alta carga de impostos facilita uma curiosa coalizão. Caminhoneiros e associações empresariais, várias delas contratadoras de fretes, pedem menos tributos. Todos se juntam contra a Petrobras.

A Abad (Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores), organização empresarial, diz que a greve é legítima. Critica a proposta de governo e Congresso de reonerar empresas (voltar a cobrar contribuições mais pesadas para a Previdência, que haviam sido desoneradas por Dilma Rousseff).

Quer revisão nos reajustes da Petrobras, pois o diesel, dizem, deve ter tratamento diferente, dado seu impacto geral nos preços, mas "sem que isso represente ingerência ou um retrocesso no processo de recuperação da Petrobras". É a quadratura do círculo.

A Aprosoja Brasil (Associação dos Produtores de Soja) apoia a reivindicação caminhoneira, diretamente interessada que é; a CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas) apoia o movimento.

O governismo majoritário na Câmara dos Deputados fazia corpo mole quanto a reformas, o programa de Michel Temer, sabotando particularmente medidas que remendariam o cofre furado do governo, como a reoneração da folha de pagamentos. Para piorar, fazia favores e perdoava dívidas gordas de setores empresariais.

De súbito, liderada por Rodrigo Maia (DEM) recorre à reoneração a fim de tapar o buraco que será deixado pela desoneração dos combustíveis (fim ou redução da cobrança de Cide e PIS/Cofins). De resto, Maia, candidato a presidente deste país quebrado, passa a dizer que há "folga" no Orçamento deste ano.

A Petrobras, que recusava interferência em sua política de preços, por sua vez dá uma gorjeta de 10% no preço do diesel, temporária.

É uma conjunção de oportunismos rasteiros para lidar com problemas de fundo, conversinha referendada pelo "bloco no poder". É outro movimento concertado para dizer, em suma, que os ajustes econômicos (fiscal, de preços etc.) são necessários, desde que seja no couro dos outros.

Em 2019, 2020, a farinha será pouca, quase nenhuma, e a luta para manter o pirão será feia. A crise de agora é uma amostra pequena do que virá.

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