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As controvérsias sobre a prisão e a situação legal do petista
Após um dia de vaivém de decisões judiciais, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Thompson Flores, decidiu que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve permanecer preso. Os desentendimentos começaram pela manhã, quando o desembargador de plantão no TRF-4, Rogério Favreto, concedeu liminar determinando a soltura de Lula. O juiz Sergio Moro, que condenou o petista na primeira instância, afirmou que o desembargador não tinha competência para se sobrepor à decisão do colegiado do TRF-4. O relator da Lava-Jato no tribunal, João Gebran Neto, revogou a liminar de Favreto, mas o desembargador plantonista fez novo despacho exigindo a soltura imediata. A polêmica só se resolveu com a decisão de Thompson Flores, já no início da noite. Mesmo que tivesse sido solto, Lula continuaria inelegível, segundo especialistas em Direito Eleitoral, por já ter sido condenado em segunda instância e enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Apesar de todo o esforço dos petistas que ingressaram com o pedido de habeas corpus, o ex-presidente não se mostrou otimista: “Vocês acham que vão me soltar assim, tão fácil?”
Após vaivém, Lula fica preso
Liminar para soltar ex-presidente desencadeia série de decisões judiciais em pleno domingo
Cleide Carvalho, Dimitrius Dantas, Gustavo Schmitt, Jussara Soares, André de Souza e Bela Megale | O Globo
-SÃO PAULO, CURITIBA E BRASÍLIA- Após um dia de embates jurídicos que deixaram sob suspense a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, que preside o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), decidiu, no início da noite de ontem, manter a prisão do petista, condenado pela corte a cumprir pena de 12 anos e um mês no processo do tríplex do Guarujá.
Flores foi acionado após uma série de desentendimentos na esfera judicial que teve início com uma decisão do desembargador plantonista do tribunal, Rogério Favreto. Às 9h05m de ontem, ao analisar um pedido de habeas corpus apresentado na noite de sexta-feira por três deputados federais do PT, o desembargador determinou a liberdade do ex-presidente, que está preso em Curitiba há 92 dias.
Favreto alegou que decidira com base em fatos novos, e usou como argumento a condição eleitoral do petista: “O processo eleitoral exige equidade entre os pré-candidatos. A prisão estaria causando prejuízos a Lula”. Desde que foi condenado por um colegiado do próprio TRF-4, no entanto, Lula está enquadrado na Lei da Ficha Limpa, e, por isso, deve ser impedido de disputar a eleição deste ano.
Filiado ao PT de 1991 a 2010, Favreto ocupou cargos no governo federal no segundo mandato de Lula. Sua decisão abriu espaço para contestações e reforçou o ambiente de dúvidas sobre o destino do ex-presidente.
Três horas depois do despacho do plantonista, o juiz Sergio Moro, que condenou Lula na primeira instância da Justiça, afirmou que o desembargador é uma autoridade “absolutamente incompetente” para, segundo ele, sobrepor-se à decisão do colegiado da 8ª Turma do TRF-4 e ainda do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), que manteve a condenação e prisão de Lula.
A manifestação de Moro, apresentada durante suas férias, e cujo teor colocava em dúvida uma decisão de uma instância superior, gerou críticas de petistas e dividiu juristas.
Às 14h13m, o desembargador e relator da LavaJato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, suspendeu a decisão de libertação de Lula tomada por Favreto. Ele alegou que o colega havia sido “induzido a erro” pelos autores da ação, que partiram de pressupostos inexistentes.
Afirmou também que o cumprimento da pena de Lula já foi alvo de diversas decisões, inclusive habeas corpus julgado pelas cortes superiores — o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) —, e que o tema está superado. Ele assinalou ainda que nenhum dos deputados que entraram com o HC é representante legal de Lula e, por isso, “deve-se ter cautela”.
A ação foi apresentada pelos deputados Paulo Teixeira (PT-SP), Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ).
— O pedido de habeas corpus foi uma decisão conjunta da defesa e da direção do partido — disse Damous.
Diante da manifestação de Gebran, o desembargador de plantão voltou a se manifestar às 16h12m, quando não só reiterou sua decisão como ainda determinou o prazo de uma hora para Lula deixar a cadeia. A determinação chegou à sede da PF às 17h52m, e gerou nova expectativa entre petistas de que Lula, de fato, poderia ser solto a qualquer momento.
CÁRMEN PEDE RESPEITO A HIERARQUIAS
No documento, Favreto afirmou que sua decisão não desafiava determinações anteriores do colegiado do TRF-4 ou qualquer outra instância superior, “muito menos decisão do magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba”, que, segundo ele, não tem competência jurisdicional no recurso em julgamento.
Ressaltou ainda que não há subordinação dele a outro colega do TRF4, apenas às instâncias superiores, “respeitada a convivência harmoniosa das divergências de compreensão e fundamentação das decisões”. E afirmou que não estamos “em regime político e nem judicial de exceção”. No mesmo despacho, Favreto pediu ao Conselho Nacional de Justiça e à Corregedoria do TRF-4 que analisassem a manifestação feita mais cedo pelo juiz.
Por conta da complexidade e do desgaste entre os juízes, a unidade do Ministério Público Federal que atua no TRF-4 pediu para que o presidente da corte apontasse a quem caberia tomar uma decisão no pedido de liberdade de Lula.
Antes que o impasse estivesse resolvido, a presidente do STF, Cármen Lúcia, divulgou uma nota na qual afirmou que não pode haver quebra de hierarquia e defendeu rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes. Havia a expectativa de que o STF pudesse dar, ainda ontem, um desfecho para o impasse.
“A Justiça é impessoal, sendo garantida a todos os brasileiros a segurança jurídica, direito de todos. O Poder Judiciário tem ritos e recursos próprios, que devem ser respeitados. A democracia brasileira é segura e os órgãos judiciários competentes de cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com rapidez e sem quebra da hierarquia, mas com rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes”, disse a nota de Cármen.
Quase nove horas depois do início do impasse, o presidente do TRF-4 afirmou que o caso não deveria ser julgado no plantão, e que a decisão de manter Lula solto ou preso cabia ao relator do processo, Gebran Neto. A decisão fez aumentar as manifestações de apoiadores e de críticos a Lula tanto na porta da PF, em Curitiba, quanto no TRF em Porto Alegre.
Flores também disse que a pré-candidatura de Lula não é um fato novo, como argumentou o plantonista. “Os fundamentos que embasam o pedido de habeas corpus não diferem daqueles já submetidos e efetivamente analisados pelo Órgão Jurisdicional Natural da lide. Rigorosamente, a notícia da pré-candidatura eleitoral do paciente é fato público/notório do qual já se tinha notícia por ocasião do julgamento da lide pela 8ª Turma desta Corte. Nesse sentido, bem andou a decisão do Des. Federal Relator João Pedro Gebran Neto”.
A defesa do ex-presidente divulgou nota afirmando que Moro e o Ministério Público Federal agiram juntos para impedir a liberdade do expresidente, após a decisão do desembargador plantonista. O advogado Cristiano Zanin Martins disse que Moro, “em férias e atualmente sem jurisdição no processo”, agiu “estrategicamente” para impedir a soltura, direcionando o caso para outro desembargador federal que “não poderia atuar neste domingo”.
SEPÚLVEDA VÊ “COMÉDIA JUDICIÁRIA”
Os advogados argumentaram que Moro estava de férias, portanto, segundo eles, deveria estar afastado de suas funções. De acordo com o site da Justiça Federal, o período de férias do magistrado começou no dia 2 e segue até 31 de julho.
Apesar disso, Moro segue despachando em alguns casos. Na terça-feira, um dia após iniciar as férias, o magistrado cancelou o uso de tornozeleira do ex-ministro José Dirceu (PT), por exemplo. Há jurisprudência do STF afirmando que juízes podem tomar decisões durante suas férias.
Medalhão da defesa de Lula, o ex-ministro do STF e advogado Sepúlveda Pertence disse ao GLOBO que nunca presenciou “essa comédia judiciária”, referindo-se à série de decisões contraditórias em relação à soltura do petista.
— Estou aterrorizado, vivi 21 anos de ditadura no meio judicial e nunca vi nada parecido. A única situação semelhante que presenciei foi um habeas corpus concedido pelo Supremo e que um comandante de um dos exércitos hesitou em cumprir. O ministro do STF Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa determinou que se cumprisse a ordem judicial sob pena das sansões cabíveis e assim foi feito — disse Pertence.
O advogado relatou, porém, que não tinha conhecimento sobre o pedido de habeas corpus que gerou a confusão envolvendo seu cliente.
— Foi uma iniciativa deles — disse, referindo-se aos deputados petistas. (Colaborou Vinicius Sgarbe, especial para O Globo)
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