quinta-feira, 19 de julho de 2018

Maria Cristina Fernandes: A eleição dos cavalos de Troia

- Valor Econômico

Convenções definirão, no limite, a cabeça de chapa

A temporada das convenções que prometia divisar os exércitos de outubro, a partir desta sexta, nada definirá. Os partidos escolherão, no máximo, a cabeça de chapa, delegando a definição da coligação para a executiva lavrar em ata a ser entregue à justiça eleitoral até 15 de agosto.

A ordem de deixar tudo para a última hora permanece atrelada à decisão petista, ainda que por motivações distintas. O PT estica a corda até o limite para forçar a lógica da vitimização e consumir em uma campanha de vinte dias, a partir do último prazo para recursos (17/9), o potencial de transferência de voto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A estratégia é arriscada porque pressupõe uma agressividade com o Judiciário que pode vir a inviabilizar uma prisão domiciliar. O confinamento em Curitiba traz óbvias restrições para Lula se movimentar política e eleitoralmente.

A estratégia embute ainda o risco de o partido, ao apresentar o escolhido pelo 'dedaço' lulista, não ter tempo suficiente para responder às cobranças adversárias de que o último nome ungido pelo ex-presidente deu ruim.

A lógica do centrão de Ciro Nogueira (PP), Valdemar Costa Neto (PR), Rodrigo Maia (DEM), Marcos Pereira (PRB) e Paulo Pereira da Silva (SD) é outra. Na verdade, o bloco só empurra a definição até o último momento porque não pode evitá-la. Melhor mesmo seria pular a eleição e manter suas sesmarias intocadas. As regras que fizeram aprovar lhes deu amplas garantias de que o farão no Congresso, mas não, na mesma medida, no Executivo.

São essas sesmarias que lhes permitiram colocar campanhas caras nas redes sociais antes mesmo que os recursos do fundo eleitoral estejam liberados. Buscam garantir suas bancadas partidárias para manter cargos e evitar que suas principais conquistas durante do governo Michel Temer - a reforma trabalhista e as benesses fiscais de seus patrocinadores - sejam revertidas.

Como são obrigados a se definir, tentam fazê-lo em bloco para garantir seu poder de barganha. O mais propenso a deserdar o bando é o PR. A representação dos interesses empresariais dos transportes, que atravessa a carreira política de sua principal liderança, deu à legenda, além de longevo feudo na Esplanada dos Ministérios, a condição de partido mais "orgânico" do bloco.

Os sinais de que o PR não estaria disposto a correr o risco de perder a Pasta dos Transportes e, por isso, toparia até a um vôo solo são tratados com desdém pelos demais partidos do bloco. Se jogar sozinho, assim permanecerá. Vaticínio preocupante face ao risco de um Bolsonaro, se eleito, vir a escanteá-lo na primeira semana de governo.

O PR filiou o empresário Josué Alencar na tentativa de fazê-lo vice do candidato melhor posicionado nas pesquisas. Pôs uma braçada na frente do PP, que assinou a ficha do também empresário Benjamin Steinbruch com o mesmo objetivo. Como três vice-presidentes assumiram o poder nas últimas três décadas (Sarney, Itamar e Temer), é natural que o posto tenha se tornado objeto da cobiça dos partidos e da desconfiança do titular.

Nessa disputa, Josué saiu à frente de Steinbruch não apenas porque carrega a história do pai, o vice-presidente de Lula, José Alencar, morto em 2011, mas porque vem de Minas, segundo maior colégio eleitoral do país. Além disso, pelos vínculos com Ciro, de quem foi patrão, o presidente da CSN estaria mais talhado para uma aliança com o PDT. Josué, por outro lado, é um curinga, que tanto serviria para vice de Ciro quanto do candidato do PT. Ao gosto do freguês.

A candidatura de Ciro é a única que manteria o Centrão unido. Alckmin divide pelas dúvidas quanto à viabilidade eleitoral. Tem o PTB, mas não o PRB, que dava por garantido. O candidato do PDT não convence inteiramente no quesito viabilidade mas é aquele que se prestaria mais facilmente ao papel de cavalo de Troia. Se ganhar, o Centrão é governo. Se perder, o bloco se oferece ao vencedor tendo Ciro por fachada. O próximo presidente negocia apoio com o candidato do PDT e ganha, de brinde, o Centrão.

O apoio a Ciro oferece ainda oportunidades regionais a lideranças do bloco, como o presidente do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto. Aliado a seu antigo desafeto, o atual prefeito de Salvador se fortaleceria para confrontar o PT baiano, que deve reeleger o governador Rui Costa e é a principal força política no Estado.

O PP já esteve mais próximo do PT. A indefinição sobre a cabeça de chapa petista pesa contra a capacidade de o partido atrair aliados. Os petistas se aproximam do Pros, esnobado por Marina, mas hoje, de prometido mesmo, só têm o aceno do PCdoB para a retirada da candidatura de Manuela D'Ávila. O PT descrê de uma chapa com o PSB mas trabalha pela neutralidade do partido para isolar Ciro e enfraquecê-lo na disputa por aliados do Centrão.

Os partidos se movem para fazer com que as duas candidaturas que se alardeiam como antipolíticas, de Bolsonaro e de Marina Silva, permaneçam sem aliados que lhes dêem os meios para pôr a boca no trombone. A ex-ministra tem mais chances de fechar alianças porque, ao contrário do deputado do PSL, as esnobadas, até aqui, têm partido dela.

Além disso, precisa de tempo para se colocar na campanha, não para se defender, como acontece com Bolsonaro, alvo preferencial de todos os demais adversários. Marina não desistiu do PPS, nem o partido, que estava prometido para os tucanos, parece ter desistido dela.

A indefinição das chapas, que só será resolvida em 15 de agosto, tende a enxugar ainda mais uma campanha que se fez curta por encomenda. Será a maior quantidade de candidatos por dias de campanha da história. Cenário perfeito para que os partidos, sem narrativa para uma disputa majoritária, busquem um abrigo para a travessia. A exiguidade de uma disputa marcada por candidatos demais e rumos de menos predispõe a surpresas. O eleitor vai assistir a um desfile de cavalos de Troia de onde, fechadas as urnas, desembarcarão as tropas de ocupação.

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