- Folha de S. Paulo
Novo governo tentará reerguer a esquerda e um país de economia tão fracassada quanto a nossa
O México elegeu um inédito presidente de esquerda, Andrés Manuel López Obrador, o AMLO. Há quem compare seu sucesso à vitória de Lula em 2002. Trata-se de um disparate sociológico e político que, no entanto, pode ficar certo por linhas tortas.
Quão esquerdista será o governo de AMLO? Pouco, tanto quanto o de Lula 1? É uma hipótese plausível.
Os temas da eleição foram corrupção e violência. O pano de fundo, porém, foi o cansaço com mais uma onda das ditas reformas estruturais (o "Pacto pelo México") em um país que cresce pouco faz décadas.
As economias de Brasil e México são as mais fracassadas entre as grandes da América Latina (excluídos países centro-americanos e a falecida Venezuela).
Em 2012, o governo do recém-eleito Penã Nieto (PRI, direita) assinou um acordo reformista amplo com o PAN (direita) e o PRD (algo mais à esquerda, ex-partido de AMLO). O programa era imenso, de reformas em educação, trabalho, tributos, da seguridade social, saúde, Justiça e economia, entre outras.
Houve mais avanço na liberalização econômica: abertura no setor de petróleo, na finança, nas telecomunicações e na eletricidade, além de alguma ampliação do serviço público de saúde e na educação. Parece um programa tucano, esgotado por vários motivos em 2002? Sim.
O governo prometia loucamente dobrar a taxa de crescimento, que permaneceu em 2,5% ao ano, perto da média desde 1990. A desigualdade cresceu um pouco, ficando parecida com a do Brasil, um horror. O nível de renda e consumo per capita são similares aos nossos.
A decadência da produção da Pemex (a Petrobras deles) e o colapso dos preços do petróleo abriram um buraco na arrecadação do governo (20% da receita ainda depende de petróleo). O governo fez então um corte de gastos pesado. O investimento público caiu. A liberação dos preços de combustíveis bateu ainda mais na inflação. Os juros subiram.
O governo administrou de modo correto problemas econômicos. O país cresceu pouco, mas não passou nem de longe pelo colapso brasileiro. Mas o povo pôs para fora o corrupto e conservador PRI.
Os economistas de AMLO não são tidos como esquisitos pelo establishment, fora do país ou no México. São formados por ótimas universidades americanas, têm carreiras acadêmicas respeitáveis e alguns trabalharam no FMI e no Banco Mundial.
Carlos Urzúa, chefe da equipe econômica, foi secretário de finanças de AMLO no governo da Cidade do México no começo do século. Manteve contas em ordem. Desde a eleição, Urzúa e turma dizem ao "mercado" que a gestão macroeconômica não deve mudar: superávits primários a fim de abater dívida, Banco Central autônomo e câmbio flutuante, o "tripé", como se diz no Brasil. Lula em 2002? Quase: a finança não teve pânico com a vitória de AMLO.
O México faz reformas desde o final dos 1980. Tem economia aberta (muito comércio externo) e juros baixos faz tempo. Carga tributária, proteção social e dívida pública são bem menores que no Brasil; o investimento, maior. É outra prova de que clichês apenas não promovem crescimento.
Como o México depende muito dos EUA, AMLO deve ter problemas sérios com Donald Trump. Mas tem a vantagem de pegar uma economia em ordem e algo reformada. Gente da elite e da finança acredita que AMLO fará um governo "de centro", com mais gasto social e em infraestrutura no sul pobre do país. Não parece um revertério.
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