Demandas corporativas avançam e dificultam a trajetória de ajuste das contas do governo
A decisão do presidente Michel Temer (MDB) de liberar aumentos salariais a magistrados e a servidores do Executivo concorre para destruir a ponte que poderia levar à retomada do crescimento vigoroso.
Decerto a equação política diante do Planalto não era de fácil solução. Numa outra manobra que revelou desconexão com a realidade periclitante das finanças públicas, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal solicitara uma elevação elástica em seus vencimentos mensais, dos atuais R$ 33,8 mil para R$ 39,3 mil.
Temer buscava adiar de 2019 para 2020 os reajustes para o funcionalismo dos ministérios que havia irresponsavelmente validado ao substituir a petista Dilma Rousseff. Com a pressão dos juízes, entretanto, o emedebista se viu na incômoda situação de negar a benesse a uns e conceder a outros.
Ministros do STF, além disso, principiaram estranha negociação com os chefes dos outros Poderes.
Dariam cabo da farra do auxílio-moradia, que na prática se tornou mais um aumento disfarçado, desde que a Presidência e o Congresso chancelassem o reajuste de 16,4% para a cúpula togada —e, por consequência, para todos cujos vencimentos se vinculam diretamente aos do Supremo, que constituem o teto do serviço público.
Essa lógica mesquinha do corporativismo, entretanto, não deveria valer nada diante da magnífica descompensação entre receitas e despesas da União.
A meta orçamentária para o ano que vem pressupõe gastos a descoberto de R$ 139 bilhões, ou 1,8% do Produto Interno Bruto. Se forem incluídas também as despesas com juros da dívida, o buraco cresce para R$ 489 bilhões, ou 6,5% do PIB.
O desequilíbrio, além de profundo, tem sido duradouro. Introduziu-se em 2014, após 15 anos de dura batalha contra os déficits, e na melhor das hipóteses será anulado apenas no início da próxima década. Mas a melhor das hipóteses está sendo dinamitada pelas elites governamentais nos três Poderes.
Há menos dinheiro na economia para criar empregos, pois ele tem de fluir cada vez mais para as emergências financeiras do governo, quase todas envolvendo gastos obrigatórios como os com servidores e pensionistas. Empréstimos se tornam mais caros para todos.
A desconfiança na capacidade do setor público de conter a sangria afugenta investidores, e o dólar sobe, como tem ocorrido nestes dias, elevando custos. O país cresce menos do que poderia.
Como a doença atinge também os estados, serviços essenciais que estes promovem —saúde, segurança e educação— passam a ser ameaçados. É lamentável que interesses corporativistas e a fraqueza de um presidente em final melancólico de mandato se combinem para conspirar contra o futuro do Brasil.
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