sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Fernando Abrucio: Quão decisivo será o horário eleitoral?

- Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

Agora começa a etapa mais decisiva da eleição presidencial: o horário eleitoral gratuito no rádio e na TV. Antes desse período, a maior parte do eleitorado ainda não está acompanhando as eleições. Por meio desses programas partidários, mais gente tem contato com os nomes e ideias dos candidatos, principalmente dos que disputam postos do Executivo federal e estaduais. O país vive um período em que a política, efetivamente, torna-se o centro das atenções. Mas o quanto haverá de mudança no cenário colocado até o momento? Mais importante ainda, se houver alterações, para que rumo elas podem caminhar?

O debate sobre o efeito do horário eleitoral gratuito na eleição de 2018 envolve vários elementos. Primeiro, nunca o tempo de televisão e rádio foi tão curto como agora, seja no que se refere ao tempo que ocupa da programação, seja em relação ao número de dias de campanha eleitoral. Isso foi uma invenção dos deputados e senadores que não queriam que houvesse muito tempo de disputa, e assim dificultaram a renovação dos parlamentares no Congresso Nacional. Porém, esse formato também irá afetar a eleição presidencial, que será menor e mais intensa, o que coloca em dúvida, à primeira vista, o quanto poderá haver de mudanças.

Mas deve-se lembrar que o horário eleitoral gratuito pauta o restante do debate em todas as mídias. Mesmo as redes sociais, tão exaltadas como a principal arma da política no século XXI, alimentam-se daquilo que será apresentado oficialmente pelos partidos e candidatos no rádio e na televisão. Aliás, são esses dois meios de comunicação que mais influenciam, ainda nesta quadra da história brasileira, a maioria da população, sobretudo as camadas mais pobres.

Evidentemente as redes sociais serão muito importantes nessa eleição, mas é preciso vê-las num modelo que se mistura e se combina com o conteúdo do horário eleitoral gratuito, não sendo, portanto, uma linguagem alheia ao mundo oficial da política. Quem souber fazer essa combinação terá mais chances de propagar suas ideias na eleição presidencial.

O poder de disseminação do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão vincula-se também à maneira como ele traz para si outras informações. Assim, nele podem ser colocados os temas que a imprensa investiga e, em especial, os resultados dos debates e entrevistas com os presidenciáveis. Além disso, as discussões que se espalham nas redes sociais vão ser amplificados pelos partidos em seus espaços públicos no horário eleitoral.

Embora a audiência dos programas eleitorais em si não seja tão grande quanto no passado - como em 1989 ou em 2002 -, os spots apresentados nos intervalos comerciais são vistos por milhões de pessoas nos horários nobres da televisão. Essas inserções comerciais são curtas, mas poderosas para expressar mensagens emocionais que se colam aos seus proponentes e, sobretudo, para atacar os candidatos rivais de uma forma mais "invisível".

O peso do horário eleitoral poderá, ademais, ser importante numa campanha como a atual, que é a mais fragmentada desde 1994, com mais candidatos com chances de vitória (pelo menos cinco) e na qual o provável vencedor do primeiro turno tende a ter menos votos do que Collor teve em 1989 (28%). Essa acirrada competição pode fazer com que a disputa, principalmente no turno inicial, dependa de questões milimétricas, e todos os concorrentes terão que cuidar muito de sua exposição pública. Daí um possível peso dos programas eleitorais na televisão e no rádio.

Feitas todas essas observações sobre o horário eleitoral gratuito, surgem as questões sobre como esse instrumento poderá afetar a corrida presidencial. Comecemos pelo líder das pesquisas, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é o único que tem crescido nas pesquisas de intenção de voto nos últimos meses, tem um enorme poder carismático de sedução das camadas mais pobres do país e está agora, como mostram as pesquisas, na posição de perseguido para a maioria do eleitorado. Tudo isso conta a seu favor, mas ele não será candidato, a não ser que aconteça um fato novo e extraordinário. Portanto, a grande questão para o PT é como transferir os votos lulistas para o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad.

Nesse processo, que será curto, o tempo de rádio e TV terá um peso importante, sobretudo se o programa contiver mensagens emocionais que juntem a trajetória de Lula com a juventude do ex-prefeito paulistano. Mas, por melhor que seja a campanha, não ter Lula ao vivo defendendo o pupilo é uma perda muito grande. De todo modo, o crescimento da identificação partidária em prol do PT - 24% da população se identificando como petista no último Datafolha - mostra que o piso de Fernando Haddad será mais alto que os de Alckimin, Marina e Ciro, e próximo do obtido por Bolsonaro - de 12%, como revela a votação espontânea.

O horário eleitoral gratuito será ainda mais decisivo para o ex-governador Alckmin. Ele é o candidato tucano que começa a campanha com a menor porcentagem de votos desde 1989. Para sair dessa incomoda situação, montou uma megacoligação com os partidos do chamado Centrão. Do ponto de vista das alianças estaduais, o ganho disso será menor do que o imaginado. No Nordeste, por exemplo, muitos de seus apoiadores se colocam como defensores do voto em Lula - e se Haddad crescer na esteira do padrinho, muitos membros do Centrão serão petistas de carteirinha nos Estados nordestinos. Ademais, por ser muito grande, essa aliança produz disputas internas em alguns lugares, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que pode dificultar o caminho do presidenciável do PSDB.

A megacoligação com o Centrão deve produzir melhores resultados no horário eleitoral gratuito. Por meio dessa aliança, Alckmin obteve quase metade do tempo total de rádio e TV. É um arsenal gigantesco à sua disposição. Mas é preciso saber o que fazer com tantos minutos de exposição. Cabe lembrar que quem tinha mais tempo na campanha de 1989 era Ulysses Guimarães, numa propaganda que parecia não ter fim, de tão enfadonha e descolada dos anseios dos eleitores - que identificavam em sua candidatura a continuidade da Nova República, quando queriam mudança.

Alckmin precisa usar o tempo de rádio e TV para duas coisas. A primeira é construir uma marca que vá ao encontro daquilo que deseja uma parte expressiva do eleitorado: um governante experiente, que traga o Brasil de volta aos trilhos, depois de uma enorme recessão e uma crise política sem fim. Esse perfil não está distante do que representa o ex-governador paulista. Mas esse mesmo eleitor odeia Temer e a aliança PSDB-Centrão foi o esteio do governo medebista. Como livrar-se dessa pecha é uma tarefa hercúlea para os responsáveis pelo programa eleitoral de Alckimin.

Há outra tarefa para a campanha presidencial tucana, que é a mais importante e a mais difícil: descontruir a candidatura de Jair Bolsonaro. A questão não é que Alckmin só crescerá se retirar votos do capitão da reserva do Exército. Existem vários bolsões de eleitores, inclusive entre os indecisos, que não estão e nem deverão estar com o presidenciável do PSL. Porém, se Bolsonaro se mantiver numa faixa que vai de 16% a 20% (seu provável teto, caso seja o alvo das maiores críticas no horário eleitoral gratuito), crescem muito suas chances de ir ao segundo turno. Em outras palavras, não basta a Alckmin alavancar sua candidatura; ele terá também que parar seu principal oponente.

Os outros três concorrentes de fato ao Palácio do Planalto, Ciro, Bolsonaro e Marina, ficaram com pouquíssimo tempo de rádio e TV. Isso os prejudicará, inegavelmente. Marina e Ciro porque terão menos espaço para se comunicar com o povão e aumentar mais seguramente suas intenções de voto. E para Bolsonaro, dado que já está num patamar melhor nas pesquisas, o maior problema é que ele será o principal saco de pancadas no horário eleitoral gratuito. O quanto resistirá é uma das grandes questões desta eleição.

Não obstante, os três têm tido um bom desempenho nas redes sociais, e, no mínimo, não perderam os seus votos - os que aparecem nas pesquisas - com suas exposições televisivas. No caso de Bolsonaro, suas entrevistas na Globo e os debates podem ter aumentado sua rejeição, mas seus eleitores cativos continuam com ele, dando-lhe um percentual acima dos demais. E Marina e Ciro podem ter um ganho indireto do horário eleitoral gratuito. No caso, da primeira, as críticas de Alckmin ao presidenciável do PSL podem gerar eleitores para a candidata da Rede, e não para o tucano. Já para o ex-governador do Ceará, se a campanha de televisão e rádio de Haddad for ruim, ainda há uma esperança de conquistar parte do eleitorado lulista.

Por fim, ainda resta uma incógnita sobre o papel do horário eleitoral gratuito: de que maneira ele afetará os 38% de eleitores que, segundo o Ibope, pretendem não votar, votar em branco, anular o voto ou então estão indecisos no momento. Aqui está um filão eleitoral importantíssimo, formado principalmente por pessoas mais pobres e mulheres. Quem será capaz de construir a mensagem que conquiste, pelo menos, parte desse eleitorado? Eis aí o principal enigma para a campanha oficial no rádio e na TV. É este ponto o maior teste da comunicação dos presidenciáveis.
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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP

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