Não chega a ser surpreendente que o presidente Michel Temer tenha aceitado trocar, em conversas com o Judiciário, um auxílio-moradia que é ilegal, na generalidade em que sobrevive graças a uma liminar, por um aumento de salário de 16,38%, como reivindicaram os ministros do Supremo Tribunal Federal. Mal ocupando a cadeira que foi de Dilma Rousseff, em setembro de 2016, diante de uma terrível crise fiscal, Temer concordou em dar reajustes para o funcionalismo público, para não ter problemas em uma transição de poder traumática. Em seguida, pregou austeridade e estabeleceu o teto de gastos.
Agora, ao ceder diante dos resmungos da elite salarial do país, o presidente, manteve sua coerência e desistiu de adiar para 2020 o reajuste dos servidores públicos. As consequências deste gesto irresponsável ainda não foram inteiramente calculadas, mas são graves. Por algumas contas, serão cortadas, compensatoriamente, até R$ 10 bilhões em outras despesas, e a redução recairá preponderantemente sobre os investimentos, que já haviam chegado em seu ponto mais baixo em décadas em 2017, com R$ 42 bilhões. O Orçamento de 2019 já não tinham folgas e agora será apertado para contemplar o reajuste.
Estima-se que as despesas de custeio necessárias ao funcionamento da máquina pública, mais investimentos minguantes, somem R$ 98 bilhões no ano que vem, cerca de 7% dos gastos totais. Esse cenário pode até ser otimista se a economia não crescer mais de 2%, como previsto no orçamento. Pelo resultado do Tesouro até julho, apresentado ontem, as despesas obrigatórias da União chegaram a 96% da receita líquida em 12 meses, mesmo com um aumento de 14,3% na arrecadação.
O Judiciário encabeçou a fila que empurrou Temer a conceder o reajuste. No fim de 2017, a intenção do governo também era de jogar para frente os reajustes, mas uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski matou a iniciativa - seu mérito não foi nem será julgado. Outra liminar, a do ministro Luiz Fux, abriu as porteiras para o auxílio moradia mesmo para quem tem imóvel próprio ou até vários imóveis na cidade em que trabalha. Cada juiz tem embolsado R$ 4.300 mensais.
O presidente Temer não fez a menor questão de afrontar o Judiciário, ainda que a tendência do STF fosse a de fazer valer o espírito da lei sobre o benefício, isto é, restringi-lo, como já é prescrito, aos juízes que trabalham em local em que não residem. Com a elevação do teto do salário dos ministros do STF para R$ 39,3 mil, puxam-se os salários de magistrados em todo o país e estimula-se o Legislativo a seguir o exemplo. Quando rascunhou o Orçamento, o ministro do Planejamento calculou que a economia provável com o adiamento da correção salarial dos servidores seria de R$ 6,9 bilhões em 2019. Não só o reajuste ocorrerá, como será mais intenso por causa do arrastão salarial proporcionada pelo reajuste do Judiciário.
A concessão à elite dos trabalhadores - a média salarial do funcionalismo é o dobro da do empregado na iniciativa privada - é absolutamente incompatível com o drama fiscal que vive o país. Temer e seus ministros propuseram e conseguiram aprovar o teto de gastos, mas deixaram de atuar para que ele se mantenha, com exceção da equipe econômica, que trabalha em um ambiente hostil.
Dez entre dez economistas apontam o desequilíbrio fiscal como o fator principal de risco para a economia brasileira. Temer desistiu da reforma da previdência que sustentaria o teto no início do ano, enfraquecendo seus pilares. Agora, há teto, mas não é possível controlar gastos previdenciários, que crescem vegetativamente pelo menos 3% ao ano, e também não se tem controle sobre o que é possível ter, caso da segunda maior despesa orçamentária, a da folha de pagamentos, que consumirá R$ 322 bilhões em 2019. A vítima será a de sempre, os investimentos, que estão no menor nível em décadas, e caindo.
O Judiciário tem estourado o teto de gastos e se beneficia da regra que o criou, que permite ao Executivo cobrir a diferença de gastos a mais de outros poderes. Essa janela se fecha em 2020, mas nada indica que haverá trégua salarial. Seria possível considerar a sério o reajuste do Judiciário se ele fosse uma ilha de excelência no serviço público. Está longe de sê-lo, como comprovam a morosidade da Justiça, o acúmulo de processos, um quadro de pessoal maior aqui do que em vários países desenvolvidos etc. Se o corporativismo tem o apoio da Justiça, nada protege os cofres públicos.
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