Avizinha-se uma tempestade perfeita. Em meio a uma onda de desconfiança em relação aos países emergentes, especialmente Argentina e Turquia, o Brasil irá às urnas daqui a quatro semanas sem ter uma perspectiva clara sobre o que será feito em relação à gravíssima crise fiscal do País, uma bomba armada para explodir no colo do próximo presidente. Pior: alguns dos candidatos mais bem posicionados na disputa até aqui ou não levam muito a sério a urgência de amplas reformas e medidas de austeridade ou então são visceralmente hostis a qualquer iniciativa que vise a interromper a escalada dos gastos públicos.
Já há quem veja na atual conjuntura um quadro de apreensão semelhante ao que antecedeu a vitória de Lula da Silva na campanha presidencial de 2002, quando se imaginava que o petista fosse implementar o projeto histórico de seu partido – que incluía calote na dívida e ampliação acentuada do papel do Estado na economia e nos mercados. Na ocasião, o dólar disparou, como reflexo das incertezas relacionadas ao futuro. Ainda que a situação do País hoje seja diferente do que a daquela época, graças ao grande volume de reservas internacionais e à reversão da política fiscal suicida praticada pelo governo de Dilma Rousseff até seu impeachment, não é desprezível a possibilidade de grandes turbulências se não houver consenso nacional a respeito da premência de enfrentar o problema do rombo nas contas públicas.
Fala-se na necessidade de um ajuste da ordem de 6% do PIB, enquanto, entre 2002 e 2003, já com Lula na Presidência, bastou um aperto de 0,5% para recolocar o País nos trilhos. Ou seja, hoje, mais do que naquela época, não há hipótese de interromper a crise sem uma série de reformas profundas que destravem o crescimento, e isso só será possível se houver um grande entendimento nacional.
Assim, mais do que um administrador competente, o Brasil precisa escolher em outubro alguém com capacidade de mobilizar o País em torno das reformas. Além de ter firme compromisso com a responsabilidade fiscal e de possuir uma visão racional da administração dos recursos públicos, o próximo presidente não poderá agir como líder de torcida organizada, que hostiliza quem simpatiza com outros times. Deve, ao contrário, ser capaz de resgatar o valor da política tradicional, tão vilipendiada nos últimos tempos. Ou seja, deve ser capaz de unir a Nação em torno de consensos.
Por política tradicional entenda-se justamente a capacidade de construção de consensos, sem qualquer forma de violência ou de coerção. Isso só é possível tendo como base as instituições democráticas, as únicas capazes de garantir a participação dos cidadãos nas decisões do País. Não se pode falar em liberdade plena e democracia sem uma ampla esfera pública, em que se expõe toda a pluralidade de opiniões e pontos de vista da sociedade – e não apenas a visão daqueles que detêm o poder.
É claro que a política tradicional está em crise profunda desde a eclosão dos grandes escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, que expuseram o mecanismo por meio do qual grupos políticos e empresariais bem organizados capturaram o Estado e transformaram o governo e o Congresso em despachantes de seus interesses privados. Não é surpreendente, portanto, a irritação de grande parte do eleitorado com a política em geral, que, para esse público, deixou de ser o lugar da realização da democracia. Mas esse alheamento inviabiliza o diálogo necessário para a construção de um entendimento mínimo sobre o que fazer no futuro imediato.
O ideal seria que, na campanha, os principais candidatos ressaltassem a importância decisiva da negociação política e que expusessem o tremendo risco que se corre quando se alimentam divisões insuperáveis no País. Ainda que algum grau de confronto seja inevitável em campanhas eleitorais, pois afinal se trata de disputa pelo poder, depois de depositar seus votos, os eleitores precisam ser convidados a desarmar os espíritos e a se sentirem participantes do esforço de recuperação do País. E isso só será possível se a política recobrar seu caráter de mediação pública entre iguais, e os partidos, sua capacidade de representação dos anseios da sociedade.
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