- O Globo
Não haverá um vice anódino: candidatos sabem o que querem e alguns admitem que almejam mais do que só substituir o presidente
O general Hamilton Mourão justifica as mortes de adversários políticos ocorridas dentro dos quartéis na ditadura, a senadora Kátia Abreu mantém sua posição contra a divulgação da lista suja do trabalho escravo e a relação de conflito com ambientalistas, a senadora Ana Amélia defende o PL dos agrotóxicos que foi condenado por instituições científicas. O ex-deputado Eduardo Jorge quer a redução do rebanho bovino e o ex-prefeito Fernando Haddad sustenta a política dos campeões nacionais.
Durante a semana, participei, junto com colegas, das entrevistas da Globonews com os candidatos a vice nas cinco principais campanhas e ficou claro que, de uma forma ou de outra, eles são polêmicos. Há duplas mais homogêneas, em que os dois têm os mesmos pensamentos. É o caso de Bolsonaro-Mourão e Marina-Jorge. Há bastante divergência entre Kátia e Ciro. O candidato do PDT se apresenta como de esquerda, e a sua vice é pessoa que se identifica com a direita. No caso de Alckmin e Ana Amélia há harmonia, mas ela o leva a defender a posição atual mais polêmica do agronegócio, que é o PL que amplia o uso de agrotóxicos no país. O candidato em situação mais inusitada é Fernando Haddad, que se prepara para assumir a cabeça de chapa, se vencer as brigas intestinas do PT, mas que no legado petista tem que tentar separar o que defender e o que reconhecer como erro. Uma coisa é certa, não haverá vices anódinos. Eles são, para o bem ou para o mal, pessoas que sabem o que querem e alguns admitem claramente que almejam mais poder do que o de substituir o presidente. Foi o que disse o general Mourão. Ana Amélia quer ser ministra da defesa.
Com voz serena, e depois de pregar a união nacional, o general Mourão disse coisas duríssimas. Não reconhece o erro de ter chamado os índios de indolentes e os negros de malandros. Ele tenta usar “teses sociológicas” e diz que temos que saber quem somos. Mourão admitiu que errou ao defender o golpe numa de suas entrevistas, mas a partir daí ele passou a reafirmar seu pensamento. Disse que as Forças Armadas têm a responsabilidade de intervir quando um dos poderes não está funcionando. Lembrado de que a Constituição só prevê a intervenção das Forças Armadas se os poderes constituídos convocarem, ele defendeu o direito de o comandante interpretar a letra da Constituição. Heraldo Pereira lembrou que quem interpreta é o Supremo Tribunal Federal. Ele insistiu na responsabilidade das Forças Armadas e, diante de uma pergunta de Merval Pereira, admitiu o autogolpe, caso em que um presidente convoca as Forças Armadas. Na pergunta que eu fiz sobre Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o Doi-Codi no período em que 47 presos foram mortos, Mourão sustentou que ele é seu herói, e concluiu: “heróis matam.”
Eduardo Jorge tem várias identidades com Marina, como a defesa do ambientalismo, mas seu sonho é radical. Ele quer que em algum momento no futuro não haja a exploração de rebanhos bovinos. Seu forte é política de saúde. Ele é um dos autores do SUS, das políticas dos genéricos, mas nessa área há uma dissonância com Marina porque, como médico, ele defende o aborto, para evitar mortes de mulheres que hoje o fazem em condições precárias.
Kátia Abreu é tão aguerrida na defesa de suas ideias quanto Ciro, mas sua agenda é de direita. Defendeu que não se divulgue a lista dos que foram flagrados praticando trabalho escravo. Numa resposta a mim, ela garantiu que nunca desmatou e na verdade há um processo contra ela por desmatamento ilegal de 777 hectares na fazenda Ouro Verde, no Tocantins, como mostrou o Fato ou Fake. A data da infração foi 21 de junho de 2004.
Ana Amélia defendeu o projeto de lei que já recebeu notas públicas de condenação de entidades como SBPC, Fiocruz, Instituto Nacional do Câncer. E diz que o faz em nome da ciência. Só que a ciência está condenando o projeto. Mas ela o defende por ser a bandeira atual do agronegócio.
Haddad é um vice que pode não ser. Ele tenta ignorar a ruína econômica em que acabou o governo petista, por isso escolhe o que quer ressaltar e culpa a oposição pela recessão. Acabou defendendo a política de campeões nacionais como o caminho certo. Ficou claro que isso será repetido numa eventual volta do PT. Haddad avisou que o PT não vai escrever uma nova “carta ao mercado”. A carta de 2002 foi aos brasileiros.
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