Nos anos 1990, atual candidato era considerado símbolo de renovação e competência da legenda
Anna Virginia Balloussier | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - “Governador Alckmin, não me leve a mal, mas nós precisamos esclarecer aí umas diferenças de compreensão do Brasil”, disse Ciro Gomes (PDT) a se adversário tucano no debate da RedeTV!. entre presidenciáveis.
Ciro, não o leve a mal, já foi o orgulho do tucanato. Se hoje não tem o PSDB em alta estima, em 1990 era uma espécie de garoto-propaganda do partido: vingou como único governador que a legenda fundada dois anos antes conseguiu eleger naquele primeiro pleito nacional, e também o mais jovem do país a comandar um estado. Tinha então 33 anos.
Foram durante os anos tucanos que o pindamonhangabense radicado no Ceará estreou na Esplanada, como ministro da Fazenda de Itamar Franco, e nacionalizou sua fama de pavio curto —o rival Orestes Quércia se referia a ele como Odalisca da Catinga.
Eram outros tempos, em que o PSDB ainda se encontrava à centro-esquerda no xadrez ideológico. A guinada à direita viria em 1994, quando FHC escolheu Marco Maciel, um vice do PFL —sigla que hoje chamamos de DEM e anteontem de PDS, que por sua vez sucedeu o Arena, sustentáculo do regime militar, quando o pluripartidarismo voltou a ser permitido no Brasil.
O histórico partidário de Ciro é elástico. Antes de se filiar a uma legenda, ele militava no movimento estudantil de Fortaleza, junto com o Partido Comunista Brasileiro. “Vinculado, nunca tive carteirinha, não. A aproximação era mais com a esquerda católica, um grupo...”, disse em 1991, no programa Roda Viva.
A primeira carteirinha foi justamente a do PDS. Fácil de explicar, afirmou o jovem Ciro na mesma entrevista: começou em 1982 no partido de digital militar para não ficar contra o pai, então prefeito de Sobral (CE) e filiado à sigla porque a alternativa mais palatável na época, o MDB, ainda não existia na cidade.
Já em 1983, eleito deputado estadual, migrou para o emedebismo. Ao longo de sua trajetória política, ainda passaria por outros cinco partidos: PSDB, PPS, PSB, Pros e o atual, PDT de digitais brizolistas.
Em 2017, disse à Folha que sua metamorfose partidária tem nome: coerência. Seus princípios se manteriam firmes, os das siglas que deixou, não. “Para ser coerente, fico ali calado ou criando caso?”
Não se calou quando saiu do PSDB, em 1997, após atritos públicos com Fernando Henrique Cardoso —que o derrotaria na eleição do ano seguinte, a primeira de suas tentativas de chegar ao Planalto.
“O PSDB já não é mais um partido sério desde o Fernando Henrique”, declarou 20 anos depois, em debate com universitários. “Isso aí [crise interna no tucanato] é só um desdobramento da corrupção que o Fernando Henrique impôs à estrutura do PSDB.” Referia-se à aliança com o PMDB durante sua administração.
O grão-tucano também não lhe reserva impressões gentis. Em seus “Diários da Presidência”, registrou rusgas com Ciro em 1997, ano em que ele decidia se ficava ou não no PSDB. Em agosto: “Muita fofoca, porque o Ciro disse que se interessava em sair candidato à Presidência pelo PSB. [...]Acho que estamos nos atrasando em puxar o Ciro mais para perto de nós, porque ele pode dar dor de cabeça”.
E de fato deu. Em setembro, FHC se reuniu com Mário Covas, Eduardo Azeredo e outros tucanos graúdos. “A mais debatida foi a questão do Ciro”, relata. Padrinho político do “enfant terrible”, Tasso Jereissati recomendou que o então presidente ficasse na dele, ou Ciro ficaria “com a bola cheia”.
FHC mostra mágoa com o dissidente: “Nunca falei mal dele, está fazendo uma grande onda aí: foi para Harvard, lá escreveu um livro lamentável com o [Roberto] Mangabeira Unger, depois fez reuniões com o Itamar, com a esquerda, imagina, com o Zé Dirceu!, e parece que com alguns latino-americanos para ‘combater o neoliberalismo’. Naturalmente, o pressuposto é que o neoliberal sou eu”.
Em outra passagem, o ex-presidente compara o que julga ser o “mau-caratismo” de Lula, “mais popular”, ao de Ciro, “de classe média”. O caçula, diz, “tem a petulância própria do impostor. Não engulo”.
Em 1991, Ciro podia estar às boas com o PSDB, mas tinha lá suas ressalvas. “Olha, eu não vou, por gosto e amor ao meu partido, afirmar que o partido é um núcleo de anjos”, disse sobre sigla, que se aliara a grupos conservadores em São Paulo e que, pensava ele, “ainda não se enraizou nos movimentos sociais”.
Ciro teve vida curta na Fazenda, pasta que assumiu no final do governo Itamar, meses após FHC passar por ela. “Ser do PSDB não é lepra nem catapora”, disse à época, para diluir a ideia de que um ministro tucano usaria o cargo para favorecer Fernando Henrique, candidato à primeira eleição.
O novo ministro, que via no Plano Real, formulado pelo antecessor FHC, como “a solução definitiva para a estabilização econômica do Brasil”, teve a bênção de Antonio Carlos Magalhães, o ACM, cacique do PFL. “É um homem que está entrosado com o governo.”
Já o ex-governador paulista Quércia (MDB), morto em 2010, não morria de amores por Ciro. “É um exibicionista. Lá no Ceará é conhecido como Odalisca da Catinga.”
Desarranjos verbais já eram uma marca. Disse estar “pouco ligando se a Fiesp me apoia ou não” e chamou de “otários” os consumidores que pagam ágio ao comprar um carro.
Lúcio Alcântara, vice de Ciro naquela chapa vitoriosa de 1990 e que depois viraria governador e senador do Ceará, afirma que já há três décadas o “temperamento era muito explosivo”.
“Houve uma greve de médico, e a reação dele foi dizer que médico é como sal: branco, barato e tem em todo o lugar”, diz o ex-aliado, que traçou caminho partidário oposto ao de Ciro: em 1990 era do PDT; hoje, é PSDB.
Mais uma “famosa fake news”, segundo a assessoria de imprensa do presidenciável. “Durante seu governo, Ciro valorizou todos os profissionais da saúde, sendo amplamente reconhecido por isso.”
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